A história do PREC e dos seus intervenientes ainda será reescrita. Persistem muitas contradições; elevam-se heróis que nunca o foram e são condenadas personalidades sem grande sensatez. Os olhares e os pensamentos não estão alheios à nossa ideologia.
Um exemplo desse mar envolto de paixões e ódios é Manuel Serra. Figura da luta anti-fascista da juventude operária católica, a memória colectiva não esquece o seu envolvimento nos golpes da Sé e de Beja contra o Salazarismo que lhe valeram, em surdina, ofensas físicas e psicológicas nos calabouços da PIDE.
Feita a revolução dos cravos, cria o Movimento Socialista Popular. Um grupo autónomo no seio do PS, cuja doutrina socialista democrática previa a prossecução da Constituição da República e do seu carácter programático sem cedências. Acaba por perder o II Congresso do Partido Socialista para Mário Soares e retira-se para iniciar em Janeiro de 1975 a Frente Socialista Popular. Os seus 44% de votos permitiam-lhe sonhar com uma dissidência massiva dos militantes socialistas que se reviam no seu carácter revolucionário. Tal não aconteceu, tendo se juntado a vários grupos de esquerda para formar a Frente de Unidade Revolucionária em apoio ao V Governo Provisório e, posteriormente, à operação do 25 de Novembro de 1975.
O seu passado de oposição ao partido no qual militou juntamente com a sua concórdia à esquerda denominada de radical ainda hoje ecoa nas mentes daqueles que o repugnam.
Eu prefiro desdizer esse maniqueísmo e interpretá-lo ao sabor da sua vida. Um homem incontornável da esquerda portuguesa que viveu como pensou; nunca pensou em como viver. E que falta fazem nestes tempos aqueles e aquelas que vivem apaixonadamente a coerência.
P.S: O falecimento de Manuel Serra deu-se no dia 31 de Janeiro de 2010. A minha memória pregou-me uma partida e não me recordei em tempo útil de escrever este texto. Ainda assim, lutadores como Manuel Serra não necessitam de pretexto para serem relembrados com todo o louvor.