Terça-feira, 30 de Setembro de 2014

Antes de António Costa aproveitar a enorme falta de bom-senso de António José Seguro na noite eleitoral das eleições europeias, o PS tinha uma tarefa decisiva no horizonte – governar de modo substantivamente diferente do actual governo. Essa seria a razão principal pela qual o PS (e consequentemente António José Seguro) muito provavelmente teriam ganho as eleições legislativas em 2015. A tarefa de governar de modo verdadeiramente alternativo ao actual governo não seria nada fácil face a todos os condicionalismos existentes mas seria absolutamente crucial. Em caso de insucesso, não seria difícil antever a transformação de um eleitorado desconfiado num eleitorado descrente em qualquer solução política para a crise, com consequências imprevisíveis no sistema partidário e na qualidade da nossa Democracia, o que apenas contribuiria para agravar as duras condições de vida da maioria dos portugueses.

 

Essa tarefa árdua ficaria necessariamente comprometida à partida no caso de coligação com o PSD. Nesse sentido, António Costa permitiu manter a esperança que o PS cumpra o seu papel. Mas não fez (nem poderia fazer) mais do que isso porque, ao contrário do que muitos dos seus apoiantes acreditam ferozmente, a chegada do PS ao poder não é um fim mas um meio. Ou seja, mesmo que obtenha maioria absoluta, essa vitória apenas será, tal como a vitória nas primárias, um meio de Costa cumprir a tarefa que antes aguardava Seguro – governar de modo diferente deste governo no conteúdo e na forma.

 

Noutras circunstâncias esta diferença esbater-se-ia mas nos dias que correm ela será fundamental. Tal como as regras costumeiras de chegada ao poder num partido político não se aplicaram a Seguro, as regras costumeiras da alternância “light” dificilmente continuarão a ser aceites pelos portugueses. Não sei se António Costa tem a percepção da importância de não falhar no governo mas convém que comece a pensar muito seriamente numa estratégia para isso não acontecer. Escrevo “pensar” propositadamente pois mais importante que comunicar eficazmente essa estratégia, algo que a maioria dos comentadores considera a principal tarefa de Costa nos próximos tempos, é construí-la sistemática e globalmente. Para depois a comunicar sectorialmente.  

 

Uma estratégia deste tipo tem de ser (no mínimo) inventiva para permitir controlar algumas condicionantes e demonstrar que um governo não é apenas um grupo de funcionários bem-intencionados que lidam com as circunstâncias. Um dos problemas estruturais desta crise é o cerco à Política feito pela narrativa da ausência de alternativa realista, atirando-a para um reduto de mera decisão (inevitável). Ora a Política tem de transformar, tem de ter capacidade de moldar ou romper as condicionantes, pelo que um governo tem, para além de lidar com as circunstâncias, de ter a capacidade de criar novas circunstâncias.

 

Resumindo, se Costa perceber tarde o que está verdadeiramente em causa… pode ser tarde de mais. Mas mesmo depois de perceber, resta a verdadeira prova da governação. Até lá, resta apenas a esperança.

 

Joos de Momper, Tobias' Journey (séc. XVII)


publicado por Pedro Silveira às 21:37 | link do post | comentar

Sexta-feira, 26 de Setembro de 2014

 

Nos textos anteriores (aqui, aqui e aqui) já abordei as razões que, ao longo dos últimos anos, conduziram à crise no PS, que já existia e da qual a candidatura de Costa é apenas a solução encontrada para a resolver. Não posso, no entanto, fechar este ‘ciclo’ de textos sem abordar a causa próxima do surgimento desta crise, principalmente para desmentir a narrativa que Seguro tem construído ao longo dos últimos meses sobre a crise no PS.

 

Acima de tudo, e para que fique claro, é importante desmentir o argumento de que a crise foi criada por Costa e que o PS estava bem depois das eleições europeias, sem que houvesse razão para Costa avançar. Acontece (feliz coincidência imagino) que vivemos na era da informação e isso, por si só, permite-nos, sem grande esforço, pôr a nu todo o problema que se criou com o resultado pífio do PS nas europeias. As reacções pela parte da maioria aos resultados eleitorais estavam em todos os jornais, de forma completamente descarada, como no caso do Expresso, sob o título ‘PSD e CDS fazem figas por Seguro’:

«"Grande vitória de António José Seguro, foi uma grande vitória do líder socialista", era a mensagem repetida à exaustão. No dia em que a coligação voltou a acreditar que pode ganhar 2015, manter o atual líder socialista passou a ser ainda mais vital para que a equação funcione.»

Ou ainda, no caso do Público, sob o título ‘Resultados das europeias dão alento à maioria e reforçam coligação pré-legislativas’:

«Os poucos pontos de distância que separaram o PS do PSD/CDS nestas europeias deram uma nova esperança à coligação de poder ganhar as próximas legislativas.»

 

Seguro pode arranjar as justificações que entender, pode argumentar até à exaustão com o ‘comparativamente’ bom resultado dos Socialistas em Portugal, mas há coisas indesmentíveis. Uma delas é o mau resultado do PS nas eleições europeias, evidente ao ponto do PS ser enxovalhado em público com estas notícias sobre a vontade da maioria ‘segurar’ (passe a repetição) o líder do PS, para que tivesse hipótese de ganhar em 2015.

Não foi só a ‘oposição interna’ que achou o resultado mau, aliás os únicos que acompanham Seguro ao ver com bons olhos o resultado do PS são mesmo os partidos da maioria.

 

Sejamos claros, nem sequer foram os resultados eleitorais que criaram a crise no PS, quem criou a crise no PS foi Seguro e o seu péssimo mandato enquanto Secretário-Geral. Os resultados das europeias meramente puseram ‘às claras’ aquilo que muitos de nós já tinham visto. Depois disso a campanha de Seguro (que em nome da elevação me abstenho de aqui qualificar), os truques de secretaria e todas as manobras que foram feitas apenas reforçam a urgência daquilo que tinha sido claro e motivam o pedido que Costa fez ontem e hoje: tem de haver resultado claro de rejeição, já não só destes últimos três anos, mas de toda esta forma de estar na política.

 

Juntando tudo isto à esperança que Costa devolve ao PS, encontra-se a razão pela qual o voto na candidatura de Costa não é só uma boa aposta, é uma necessidade. Costa trouxe de novo ao PS ambição e vontade, mas trouxe de volta ao PS uma grande parte do PS. Não me refiro à malta do Sócrates, refiro-me a uma boa parte do PS que nem sequer apoiou Sócrates.

Para mim que sou daquilo que se chama ‘ala Esquerda’, mas que pode bem melhor ser descrito como a ala Sampaísta-Ferrista do PS (de onde Costa também provém, ao contrário de Sócrates e Seguro), Costa traz de novo todos nós, não para o PS de onde nunca saímos, mas para uma participação cheia de energia e esperança que (pelo menos eu) já não se sentia desde 2004. Não é por acaso que tantos dos maiores vultos do PS apoiam Costa (desde Soares, aos próprios Sampaio e Ferro Rodrigues).

Mas Costa traz mais, com ele vem toda uma nova geração empenhada em mudar a política a economia e a sociedade, juntando o idealismo, que tanto tem faltado, à qualidade política.

Por tudo isto o Duarte Cordeiro teve toda a razão em afirmar, ontem na Aula Magna: "Estas eleições não são só as eleições de António Costa, são as nossas eleições"

 

Domingo, vamos ganhar o PS, recuperar a confiança dos Portugueses e mudar a política.

 

 



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 23:42 | link do post | comentar

 

 

António José Seguro nunca me conseguiu propriamente iludir muito, mas conseguiu desiludir-me. Nunca esperei que o seu mandato fosse tão mau como efectivamente foi, principalmente do ponto de vista ideológico.

Os resultados que, apesar das afirmações autistas de Seguro, estão longe de ser bons poderiam ser desculpados se fossem a consequência do assumir de uma postura mais diferenciadora entre o PS e o consenso dominante, que é de direita (muito por culpa de Seguro não ter efectivamente combatido as teses da direita sobre a origem da crise). Se o PS tivesse ousado, virando à esquerda, fazer as rupturas essenciais para superarmos a actual crise, que é muito mais que económica, faria sentido esperarmos uma maior dificuldade em motivar a adesão às nossas propostas. Mas não foi isso que aconteceu. Seguro acabou por sofrer do mal oposto, indiferenciou-se de tal forma da direita que, nunca pondo em causa os seus argumentos, acabou derrotado por não conseguir, com credibilidade, competir nos seus argumentos.

 

Costa afirma frequentemente que o momento definidor foi a abstenção no Orçamento do Estado para 2012. Discordo, acho que o momento definidor foi ainda anterior e, talvez, só visível em retrospectiva. Seguro, como eu já disse, teria tido em 2011 a oportunidade de se distanciar de Sócrates (que veio da ‘ala direita’ do partido), distanciando-se do memorando que, como refere incessantemente, não assinou.

Mas não, Seguro optando por se distanciar da governação de Sócrates, nunca se distanciou da solução negociada com a troika, muito fruto, não propriamente da vontade de Sócrates, mas da imposição de Bruxelas. Não deixa aliás de ser estranho que a única ‘herança’ de Sócrates que Seguro assumiu na plenitude tenha sido o memorando de entendimento com a troika.

Muitos dirão que Seguro o fez para, motivado pela rivalidade com Sócrates, atirar as culpas da crise para este, podendo aparecer como salvador e herói do partido. Não acho que tenha sido isso, seguramente não foi só isso, apesar da tentação de interpretar os seus recentes comportamentos nessa luz. Foi, na minha opinião, por uma razão diferente: Seguro, mas principalmente os seus ideólogos (João Ribeiro, Eurico Dias, Álvaro Beleza, ou outros, como Vítor Bento, que Seguro convidou para participar no Novo Rumo), acreditavam efectivamente que a solução apresentada pela direita com a desculpa da Troika para os nossos problemas era o caminho a seguir.

 

A abstenção ‘violenta’ (com murros na mesa, presume-se, mas só dentro do partido – e de preferência contra a oposição interna - que lá fora temos de nos portar bem para os mercados não ficarem incomodados) no Orçamento do estado para 2012 mais não foi, então, do que a materialização da vontade Segurista de construir uma alternativa política ‘credível’ perante a Europa e os mercados ou, o que é o mesmo, indistinguível da direita nas grandes orientações de política económica, apenas com uma maior consciência social. Convenhamos que, comparando com a actual direita que nos governa, seria difícil não demonstrar maior consciência social.

 

Podem achar que estou a ser injusto, mas as demonstrações efectivas do pendor centrista, para não lhe chamar direitista, da liderança de Seguro são por demais evidentes. Além da abstenção ‘violenta’ (que, até hoje, ninguém conseguiu distinguir das suas congéneres mais pacíficas) há vários exemplos, facilmente comprováveis desta orientação política global, ainda que, por vezes, mascarada por algumas propostas avulsas de pendor contrário que, ainda assim, não alterariam a orientação política global.

Seguro opôs-se a que um grupo de 17 deputados do PS (todos da tal oposição interna cheia de malfeitores) que pediu a fiscalização da constitucionalidade do Orçamento do estado de 2012. Seguro, depois da enorme vitória política e benefício objectivo para os portugueses, cavalgou na onda e aderiu a todos os subsequentes pedidos de fiscalização de constitucionalidade, chegando mesmo a classificar as decisões deles resultantes de “boas notícias” e que "o PS cumpriu o seu dever na defesa dos portugueses". Boas notícias essas que nunca teriam existido por sua vontade: existiram apesar dele e por vontade da ‘oposição interna’. Por vontade de seguro o PS não “cumpriria o seu dever na defesa dos portugueses”.

Mas há outros indícios desta identificação de seguro com as teses da direita. Mas houve muitos mais indícios de uma adesão da direcção nacional do PS às teses da direita sobre o caminho da direita para resolver a crise.

O PS votou favoravelmente à alteração do código do trabalho de 2012, juntando-se à cumplicidade da UGT com a redução dos direitos laborais. Mais uma vez, apenas alguns deputados da ‘oposição interna’ assumiram como seu o papel histórico dos Socialistas na defesa dos direitos laborais, conquistados à custa do suor de muitas gerações anteriores de Socialistas.

O PS votou favoravelmente a aprovação do Tratado Orçamental que agora, em campanha eleitoral interna, afirma querer ver alterado. Aliás, não só a direcção do PS afirmou o seu apoio na altura, como impôs disciplina de voto nessa matéria, obrigando todos os deputados do PS a votar favoravelmente. Mais uma vez as únicas vozes críticas fizeram-se ouvir da parte da tal ‘oposição interna’.

Para não me eternizar com todos os momentos em que a direcção nacional de seguro provou ser a mais à direita da história do PS, algo que eu ingenuamente julgava impossível depois de Sócrates, avanço apenas com mais um exemplo: o voto favorável do PS à ‘reforma’ do IRC. Como pode alguém que se afirma Socialista defender que, no período de maior aumento de impostos sobre os rendimentos do trabalho, de maiores cortes nas pensões, nos apoios sociais e nos vencimentos, se proceda a uma reforma que vise diminuir os impostos pagos pelas empresas? Este é talvez o mais revelador de todos.

A actual direcção nacional do PS assumiu como seus os dogmas neoliberais que defendem que toda a primazia deve ser dada à promoção das regalias ao capital e que só dessa forma se pode atingir o crescimento. Parece aceitar que os direitos laborais e sociais são um luxo, para quando se pode, e uma redistribuição efectiva de rendimento, que alivie a desigualdade, uma perigosa ideia radical. Isto não é o PS, isto não é Socialismo, isto quase já nem é uma política económica racional.

 

Assim, Seguro afirmou-se como a alternativa interna a Sócrates à sua direita e não à sua esquerda, como durante anos tentara fazer entender. Para quem, como eu, pertence, orgulhosamente, à ala mais à esquerda dentro do PS e já não se revia plenamente na corrente ideológica que José Sócrates defendia, este facto é efectivamente preocupante.

 

Dir-me-ão, com alguma razão, que Costa não é propriamente um corte radical com a política económica centrista que tem dominado, infelizmente, os partidos Socialistas nas últimas duas décadas. Têm razão, mas perante esta direcção nacional até Sócrates parece esquerdista.

Além disso nem só das perspectivas dos líderes vive um partido. Seguro deve muitas das suas posições àqueles 8que já atrás referi) que com ele trabalham nas áreas do Estado, da economia e das finanças, o mesmo acontece com Costa. Onde Seguro apresenta Óscar Gaspar, Eurico Dias, João Ribeiro e Álvaro Beleza, Costa apresenta Pedro Nuno Santos, Pedro Delgado Alves, João Galamba e Pedro Marques. Outros exemplos poderiam ser dados. Com Costa chegarão à liderança do PS, e depois do Governo, todos aqueles que ao longo destes três anos têm feito a verdadeira defesa dos valores do PS e dos direitos dos Cidadãos, aqueles que têm feito a verdadeira oposição à política da actual maioria.

Não garanto que Costa faça imediatamente o corte que é preciso fazer com o pensamento económico dominante, que nos conduziu à actual crise, mas sei que há pelo menos essa abertura e que muita gente que está com Costa são aqueles (porventura os únicos) que podem fazer essa mudança no PS. Só isso já é uma aposta que vale a pena fazer. Só isso já é uma esperança que vejo renascer. Só isso já é uma razão para acreditar e apoiar a candidatura de António Costa.

 



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 22:43 | link do post | comentar

 

Ao contrário de muitos, sempre reconheci a Seguro uma enorme capacidade política. Recordo-me perfeitamente de o ver em 2004, no arranque da campanha para as Europeias que o PS venceria com 44%, a arrebatar toda uma audiência com um discurso mobilizador. Não me surpreende, por isso, ver o Seguro que tenho visto nos últimos dois meses, em campanha interna. Surpreendeu-me sim ver um Seguro completamente diferente durante três anos à frente do PS.

 

Já me têm dito, desde o início da campanha interna, coisas como “picaram-no, agora aguentem-se”; caramba, então é preciso ameaçarem-lhe o lugar que considerava garantido para que ele ganhe vida? A defesa dos valores do PS, a oposição a esta política, a defesa dos direitos sociais e da vida dos Cidadãos da República não é motivação suficiente?

Afrontaram-no e isso irritou-o, compreendo. Mas os cortes de salários não o irritaram? O desemprego não o irritou? O ataque à escola pública, à segurança social e ao SNS não o irritaram? Qual é efectivamente o seu objectivo, mudar o país, derrotar esta política, ou ‘apenas’ ser Primeiro-Ministro?

Não consigo compreender um líder político que é mais duro, mais agressivo, contra a sua oposição interna (que é legítima num partido democrático, porque, apesar de agora não podermos destituir o líder do PS, isto ainda não é o PCP nem a Coreia do Norte) do que é contra aqueles que, supõe-se, estão a impor ao país uma política com a qual discorda. Não aceito um Secretário-Geral que se insurgiu mais violentamente contra os supostos ‘interesses’ existentes no PS do que contra todos os negócios opacos de Miguel Relvas, Dias Loureiro e tantos outros. Não é só, não pode ser, porque Miguel Relvas seja um amigo de largos anos e Costa um adversário de sempre.

 

Seguro defende que se anulou para assegurar a paz interna. Mas, se a sua suposta oposição interna é a que sempre reclamou uma atitude mais agressiva para com o Governo, como pode isso justificar tanta passividade? Na minha opinião, uma das razões fundamentais é que Seguro esperava que isto fosse um passeio. Habituado desde sempre a gerir a sua carreira nos cânones habituais da política lusitana, Seguro esperava que o poder lhe caísse ao colo sem grande esforço e sem grandes compromissos, ignorando que isto não é uma carreira e os tempos que correm são tempos de audácia, de convicções e de luta.

 

Mas há mais uma coisa que seguro diz, e essa eu também acho que foi uma razão fundamental: Seguro entendeu que tinha de fazer uma oposição ‘responsável’. Na procura dessa responsabilidade, Seguro abdicou de pôr em causa (ou então nunca sequer quis) todo o consenso neoliberal existente em Portugal e na Europa, impedindo qualquer efectiva distinção de fundo entre o PS e a direita. Para mim esse é o seu fundamental problema e, por essa razão, ele contaria sempre com a minha oposição interna, ainda que os resultados eleitorais fossem bons, que não foram. Sobre a posição ideológica de Seguro, e a minha oposição a ela, conto escrever ainda até amanhã. Mas há uma coisa que tenho de referir agora: a ânsia de Seguro se distanciar de Sócrates.

A imagem pública de José Sócrates, depois de sair do governo e tendo assinado o memorando de entendimento, deu a seguro a razão perfeita para procurar distanciar-se dele, coisa que quereria sempre fazer dada a rivalidade entre ambos. Ora, fazendo isto, Seguro abdicou de contrariar, durante quase três anos, a tese da direita sobre a origem da crise, impedindo-o de efectivamente apresentar uma visão alternativa.

Nisto eu não conseguirei ser mais claro do que o (insuspeito em matérias de Sócrates) Daniel Oliveira já foi, aconselho-vos a ouvir:

 

 



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 00:29 | link do post | comentar

Quinta-feira, 25 de Setembro de 2014

Uma denúncia anónima clamou dos abismos: Pedro Passos Coelho, o honestíssimo Primeiro Ministro de Portugal, teria recebido, enquanto exercia o mandato de deputado em exclusividade, a simpática quantia de 5000 euros mensais de uma empresa chamada Tecnoforma. Uma denúncia anónima, em princípio, merece ainda menos crédito que o Grupo Espírito Santo, pelo que a matéria seria de fácil resolução. Bastaria encontrar a resposta a duas perguntas: recebeu Pedro Passos Coelho aquela quantia da Tecnoforma?, se sim, estava Pedro Passos Coelho a exercer o mandato em exclusividade? Duas perguntas apenas, duas simples perguntas. O leitor mais ingénuo pensará então que isto é um assunto de fácil solução. Pergunte-se ao próprio Passos Coelho, que todos têm por honesto, e tudo ficará esclarecido quando, como se espera, ele desmentir a infame denúncia.

 

Mas logo o leitor ingénuo cai em embaraço: a verdade é que o próprio Pedro Passos Coelho, que se suporia ser quem estaria mais bem informado a este respeito, não sabe, não tem a certeza, não se lembra. Felizmente, revelações recentes permitem avivar a sua memória. Não se lembrava se tinha exercido o seu mandato em regime de exclusividade. Pois entretanto viemos a saber que nim: não houve declaração de exclusividade durante o mandato, mas houve uma depois do mandato, em virtude da qual lhe foi atribuído um subsídio a que de outro modo não teria direito. Para comprovar que tinha de facto exercido o mandato em exclusividade, Pedro Passos Coelho assinou uma carta afirmando isso mesmo e submeteu cópias das suas declarações de rendimentos para o comprovar. Nada nestes documentos indica que ele tenha auferido o avultado rendimento proveniente da Tecnoforma ou de qualquer outra fonte. Mais tarde, numa entrevista em 2009, o mesmo Pedro Passos Coelho declarou publicamente que tinha exercido o mandato em regime de exclusividade, e que a sua remuneração enquanto deputado tinha sido a sua única fonte de rendimento durante aqueles oito anos. Implicitamente, isto significa que não recebeu qualquer remuneração da Tecnoforma enquanto foi deputado. Nada indica, portanto, que Pedro Passos Coelho tenha agido de forma pouco própria. As suas próprias declarações o confirmam. Caso encerrado.

 

"Então, perguntará o ingénuo leitor, qual é o problema?" É que Pedro Passos Coelho, mesmo assim, não tem a certeza se é honesto. É certo que ninguém poderá verdadeiramente acreditar que Pedro Passos Coelho, um homem sério, honrado, em suma, um referencial de ética, possa ter feito aquilo de que explicita e implicitamente o têm vindo a acusar: 1. ter-se apropriado de um subsídio a que sabia não ter direito; 2. ter fugido aos impostos; 3. ter prestado declarações falsas para conseguir o acima mencionado. É demasiado incrível – e todos nós confiamos na palavra do Senhor Primeiro Ministro, mesmo quando essa palavra data de uma época em que ele ainda não o era. Pedro Passos Coelho está portanto acima de qualquer suspeita. Ninguém poderá desconfiar da sua honestidade.

 

Excepto, aparentemente, o próprio Pedro Passos Coelho. É que Pedro Passos Coelho é um homem que desconfia de si mesmo. Aquilo que o Pedro Passos Coelho do passado afirmou sem dúvidas e hesitações, o Pedro Passos Coelho do presente, Primeiro Ministro da República Portuguesa, é incapaz de afirmar. Agora teve de pedir informações à Assembleia da República acerca do seu estatuto enquanto deputado. Em 2009 não precisou. Agora teve de pedir à Procuradoria-Geral da República esclarecimentos a propósito do seu vínculo com a Tecnoforma, temendo que possa ter havido algo de menos próprio. Em 2009, em 2000 e em 1999, não tinha dúvidas nenhumas: não houve vínculo nenhum. Não se lembra, esqueceu-se, foi há já muito tempo.

 

Os leitores mais cínicos porventura olharão com alguma desconfiança para este esquecimento. Os leitores mais cínicos que me desculpem, mas essa desconfiança é indigna de uma pessoa de bem. O cinismo vangloria-se de ser uma forma mais lúcida de olhar a vida, mas, na sua sanha de ver o mal em tudo, é cego para aquilo que mais abunda no mundo: as boas intenções, a honestidade, os erros inocentes. Aquilo que os cínicos poderiam interpretar como um expediente dilatório é, na realidade, um esquecimento perfeitamente compreensível. Certamente ninguém espera que uma pessoa se recorde de quais foram os seus rendimentos há 16, 17 ou 18 anos. Eu confesso que não me lembraria. E quem me conhece sabe que tenho uma memória prodigiosa, capaz de conter factos que remontam aos tempos em que Príamo ainda reinava em Tróia. Mas a vida de Pedro Passos Coelho, nestes anos que entretanto passaram, foi tão cheia de actividades, de acontecimentos e sucessos que é perfeitamente normal que se tenha esquecido do que fez no século passado. Ora vejamos. Desde que saiu do Parlamento, Pedro Passos Coelho trabalhou na Tecnoforma e em várias outras empresas, tentou várias vezes fazer-se eleger Presidente do PSD, fez-se finalmente eleger Presidente do PSD, disputou eleições legislativas e venceu, formou Governo, governou e – consta – salvou Portugal. É muita coisa para uma vida inteira, quanto mais para um período inferior a duas décadas. É normalíssimo que haja certos pormenores, por exemplo, ter recebido ou não uma avultada quantia durante um período de tempo relativamente longo, que acabem por escapar.

 

Mas o esquecimento e as dúvidas de Pedro Passos Coelho não são simplesmente compreensíveis, são também uma manifestação do seu carácter profundamente filosófico. Uma pessoa dotada de um carácter superficial e pouco inquisitivo não teria dúvidas: ou bem que é honesto e sabe-o com certeza, ou bem que não o é, e sabe-o também. Mas Pedro Passos Coelho está numa situação de paralaxe. Não sabe se é honesto ou se não é. Outros, mais intelectualmente arrogantes, perante uma aporia desta natureza, embarcariam numa viagem de auto-descoberta, explorando os arquivos dos seus documentos e da sua alma em busca da verdade. Mas Pedro Passos Coelho além de sábio é também modesto. Ecoa nele a profunda sabedoria dos Antigos, que proclamavam a máxima que ecoa pelos séculos: “gnothi sauton” – que é como quem diz, para aqueles que só falam bárbaro, “conhece-te a ti mesmo”. "Gnothi sauton" é uma exortação que nos convida a todos nós a dedicarmos a nossa vida a esta nobilíssima missão. Mas é, sobretudo, um reconhecimento de quão pouco conhecemos e compreendemos da nossa própria condição. É, portanto, ao mesmo tempo uma exortação e uma confissão de ignorância.

 

Pedro Passos Coelho, segue, pois o exemplo dos Antigos, e mostra ser detentor de uma ignorância que muito o honra, uma ignorância verdadeiramente socrática – a exemplo de Sócrates Ateniense, filho de Sofronisco, do demo de Alopece, o filósofo. Mas Passos Coelho segue o exemplo do Sócrates Ateniense noutro aspecto ainda. É que o reconhecimento da sua ignorância servia para o filósofo como um primeiro momento num projecto obsessivo de busca pela verdade – um primeiro momento fundamental para se libertar de suposições e teses inexplícitas sem fundamento. É uma tarefa de monta, e o filósofo, conhecendo as suas limitações, sabe que não a consegue cumprir sozinho. Por isso, sai pela cidade a interrogar quem esteja disposto a conversar com ele, na esperança de que, juntos, consigam aproximar-se aos poucos da verdade. Pedro Passos Coelho reconhece também ele que sozinho não consegue. Por isso, vai para a ágora e pergunta à Assembleia da República, à Procuradora-Geral da República, a quem quer que seja preciso, de modo a desvendar este mistério: se Pedro Passos Coelho é ou não um homem honesto. Não me surpreenderia se, novamente a exemplo do Sócrates Ateniense, ele daqui a pouco começasse a fazer a todos com que se cruzasse perguntas difíceis e embaraçosas. “Que é a Tecnoforma?” “Que é a exclusividade?” “Que é um deputado?” “Que é uma declaração de impostos?” “Que são 5000 euros por mês?” “Que é a ética?” “Que é a hipocrisia?”

 

Termino, pois, fazendo um apelo aos leitores. Quando daqui a tempos virem Pedro Passos Coelho caminhando com olhar esgazeado pela rua, porventura até mesmo descalço, a exemplo de Sócrates Ateniense, fazendo a este e àquele estas e outras perguntas – não o ignorem, não lhe virem as costas. Façam como eu: conversem com ele, nem que seja durante alguns minutos, e digam-lhe quão honesto ele realmente é.

 

 



publicado por Fábio Serranito às 14:06 | link do post | comentar

 

Duarte Marques e a JSD, que na altura presidia, pediam há uns anos a responsabilização criminal de políticos por opções que ele considerava danosas para o país.

 

Aguardo serenamente que, em coerência, ele venha a público pedir a responsabilização criminal de políticos por (eventuais) crimes efectivos (dolosos) que já tenham prescrito.

 

(Pedir que defendesse o mesmo tipo de responsabilização criminal por políticas ruinosas no caso deste governo, como fez com os anteriores, já seria pedir demais).

 

(O pior cego é aquele que não quer ver)



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 13:52 | link do post | comentar

Quarta-feira, 24 de Setembro de 2014

 



Com o anúncio do aumento do salário mínimo começou oficialmente a campanha eleitoral do PSD para as próximas eleições legislativas. O PSD ainda não sabe, fruto das recentes (ainda que expectáveis) revelações sobre Pedro passo Coelho e o seu passado, quem vai ser o seu candidato (a substituição do desgastado PM enquanto candidato até pode ser boa), mas está apostado em tentar o seu melhor. Torna-se claro aquilo que António Costa afirmou ontem: o ano difícil para a oposição é este que falta até às próximas eleições.

 

Sabemos que com o aproximar de eleições a pressão para a realização de medidas populares aumenta e isso pode até nem ser mau. Se não se apostar em demagogia e populismos (como Seguro com a redução do número de Deputados), a pressão eleitoral até pode ser boa, principalmente na actual circunstância, se obrigar a uma alteração do rumo ruinoso que o governo tem seguido. Acontece que o rumo não se alterou.

 

Claro que o aumento do salário mínimo é uma boa notícia, que as esquerdas têm defendido já há muito, mas a forma como este foi feito não é. É uma péssima notícia.

Para sermos claros, aquilo que foi decidido é pôr a Segurança Social a financiar (pelo menos em parte, não sendo ainda claro que não seja na totalidade ou até em excesso) este aumento do salário mínimo. Argumenta-se de que as empresas não teriam dinheiro para um aumento do salário mínimo, mas essa estória só engana quem não estiver atento ao que se está a passar na economia: entre o início da crise financeira de 2007/2008 e o final de 2013 a Crise tirou 3,6 mil milhões aos salários e deu 2,6 mil milhões ao capital.

 

Sem grande espanto, uma vez que esta iniciativa vem do governo mais à direita da democracia portuguesa, este aumento do salário mínimo não resulta de uma melhor distribuição da riqueza que confira uma maior parte aos trabalhadores (de mais baixos salários), nem sequer tentando voltar à repartição de rendimento anterior à crise. Em vez disso trata-se de pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social para dar um empurrão à economia em ano de eleições. Trata-se de pôr a Segurança Social a financiar o aumento da procura interna de que o capital, assim sendo, será o maior beneficiário.

 

Aquilo que os trabalhadores agora ganharem a mais vão pagar no futuro em pensões mais baixas e, de caminho, ajuda-se a que a direita venha de aqui por uns anos defender que a Segurança Social Pública não é sustentável. Isto não é uma alteração de política, é a confirmação de um programa político de destruição do Estado Social (atacado no seu financiamento) e de redistribuição de rendimento a favor do capital.

A propósito disto vale muito a pena ler este texto no Ladrões de Bicicletas.





publicado por Gonçalo Clemente Silva às 20:02 | link do post | comentar

Quarta-feira, 17 de Setembro de 2014

 

Em 2011, já depois do chumbo do PEC IV e da demissão do Governo de José Sócrates que conduziriam às eleições antecipadas, o PS realizou um Congresso (antecedido de directas) que reconduziu Sócrates, pela última vez, à liderança do partido.

Nessa altura, irritando muitos dos meus amigos mais ‘Socráticos’ (e que ainda são alguns), assumi a minha vontade de apoiar (apesar de não ser ainda militante do PS) António José Seguro (tão ingénuo que eu era), caso ele decidisse ser consequente com o seu passado recente e desafiar a liderança do, à altura, Primeiro-Ministro. Não o fez, esperando pacientemente pela inevitabilidade da queda de Sócrates e poupando-me a ter no meu percurso o ónus de o ter apoiado.

A minha razão era simples: o fundamental era derrotar a direita e eu nunca tinha sido propriamente um apoiante entusiasta de Sócrates (curiosamente são estas mesmas algumas das razões que me levam hoje a ser opositor de Seguro). Assim, fazia todo o sentido sacrificar um líder desgastado e que nunca venceria as eleições para poder ter hipóteses de as vencer com uma nova liderança, fresca, que pudesse renovar a imagem do partido e distanciar-se do memorando de entendimento a fim de evitar o mal maior.

Seguro não avançou e o resto é história: Sócrates foi reeleito quase sem oposição, bateu-se na sua derradeira batalha enquanto líder do PS e, fruto de todo o desgaste e da anunciada austeridade (com a direita, na altura, a prometer aliviá-la, não esqueçamos), sofreu a pesada derrota eleitoral (menos 3,5% do que Seguro teve nas Europeias) que conduziu a direita ao poder e Seguro à liderança do PS nas calmas. Confesso que nunca lhe perdoei o tacticismo, como nunca perdoaria, confesso, a Costa se ele nas actuais circunstâncias não desse o corpo às balas.

 

Anos antes, aquando da demissão de Ferro Rodrigues e da candidatura de Sócrates a Secretário-Geral do PS, Seguro terá sido travado na sua pretensão de ser também candidato (diz-se que com promessas, por parte de graúdos barões do partido, de que ‘o seu tempo havia se chegar, se esperasse’, sendo certo que as hipóteses de vitória eram reduzidas), deixando Sócrates com livre-trânsito para a liderança do partido, apenas com a oposição de João Soares (hoje com Seguro) e de Manuel Alegre (que protagonizou a candidatura da ala esquerda – Ferrista – do partido, que está praticamente toda hoje com António Costa).

 

Durante os seis anos seguintes Seguro esperou, não sem ir dando sinais, disfarçados para a opinião comum, mas muito claros dentro do PS, de uma grande distância em relação a Sócrates (refira-se, seu rival-siamês desde sempre no PS, mesmo quando, juntos, estiveram no circulo restrito de apoiantes de Guterres quando este conquistou o partido a Sampaio, este último apoiado por Costa). Abstenções, poucas diga-se de passagem, em diplomas do Governo, críticas a propostas do Governo e do PS, quilómetros sem fim no ‘roteiro da carne assada’, até entrevistas a jornais em plena crise do segundo governo de Sócrates (‘Abram alas para Seguro’, que em 2010 anunciava a disponibilidade que não concretizou até Sócrates se ter demitido da liderança do PS um ano depois), em todo o tipo de discretas conspirações esteve Seguro envolvido ao longo desses 6 anos.

 

 

Tenho de dizer que não tenho rigorosamente nada contra esse percurso de Seguro. Acho saudável que aqueles que não se revêem nas lideranças possam fazer o seu caminho à margem da primeira linha do partido, sem que tenham de assumir um combate frontal (até porque ele seria desleal para com o partido e a liderança eleita) até entenderem que chega o seu momento. É pena é que Seguro não tenha já essa opinião, achando inaceitáveis as movimentações oposicionistas dentro do partido agora que o lidera.

Quanta paciência e calma Seguro teve ao longo de todos esses anos. Confesso que um autocontrole nos limites é a única explicação para um episódio que não posso deixar de referir, demonstrando o quanto ele esperou pelo momento dele. Na própria noite da derrota eleitoral de 2011, Seguro e os seus apoiantes têm dificuldade em fingir-se tristes pela derrota. Pouco tempo depois de, após o discurso de derrota, Sócrates ter saído sozinho do Hotel Altis, dá-se o caricato episódio que poucos Socialistas alguma vez esquecerão: a espera pelos jornalistas, junto ao elevador que conduz à zona onde eles estão, para aparecer, com um conjunto destacado de apoiantes com dificuldades em conter a vontade de saltar para a primeira linha, e declarar que ‘nunca vira a cara ao partido’ anunciando para poucos dias depois uma conferência de imprensa em que falará sobre o futuro do partido e onde acabaria por divulgar o segredo de polichinelo: a sua candidatura a secretário-Geral. Nunca gostei de Sócrates, mas confesso que foi uma das coisas mais tristes que já vi. Nesse momento confirmei a minha decisão de não o apoiar nessas eleições.

 

Todo este percurso, toda esta paciência, toda esta postura é o pecado original de Seguro e parece-me ser a principal razão pela qual a campanha de Seguro está a atingir níveis, na minha opinião, tão baixos. É a razão pela qual tudo isto é pessoal para seguro e os seus apoiantes. Afinal de contas, ele portou-se bem, fez tudo como lhe disseram, seguiu uma sólida carreira equilibrando a lealdade ao partido (e aos seus líderes, ainda que pelos mínimos no caso de Sócrates), não fez ondas e não desafiou as lideranças de que não gostava; enfim, fez tudo o que era de esperar de um (mantenho a elevação e abstenho-me de qualificar de outra forma) militante responsável e respeitável do partido. E agora fazem-lhe isto? Ele fez tudo o que era esperado e acha (materializando legítimas expectativas, concedo) que tem direito a tudo aquilo que, se não lhe prometeram, pelo menos lhe indicaram que teria.

 

Acontece que ser líder do PS e, ainda mais, ser Primeiro-Ministro não é um prémio de carreira, nem um louvor de serviços prestados. Admito que Seguro quisesse e tenha feito tudo dentro dos cânones do ‘business as usual’ da política (que ele tanto critica agora, mas enfim), mas a política não é um sítio com progressões automáticas e lugares garantidos. Vivemos tempos excepcionais em que é fundamental ter as melhores soluções e apresentar as melhores alternativas, o custo do falhanço é demasiado alto. Em circunstâncias normais Seguro continuaria líder do PS e seria Primeiro-Ministro, mas não nas actuais circunstâncias, não com os riscos que corremos!

 

Acresce a tudo isto que saúdo aquilo que Costa fez e Seguro não fez: não, não é traição; é, num momento de vital importância para o Partido Socialista e para o país, dar o corpo às balas e apresentar alternativas, sem esperar, como fez Seguro, por uma derrota eleitoral (já no próximo ano ou no ano seguinte, quando um Governo minoritário de Seguro caísse perante um PSD liderado por Rui Rio) para aparecer como um salvador que mais não é que um tacticista político.



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 01:57 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Segunda-feira, 15 de Setembro de 2014


Faltam menos de 15 dias para as primárias do PS que escolherão quem será o candidato do PS a Primeiro-Ministro (e também o próximo líder do PS, tudo indica). É conhecido o meu apoio a António Costa e a minha opinião sobre a importância destas eleições.

Ao longo dos próximos dias (até dia 26, para respeitar o dia de reflexão) vou tentar aqui explicar de forma clara as minhas razões, bem como reconstruir (ou desconstruir) o processo que nos fez chegar a esta situação. Tentarei fazê-lo pela positiva e com elevação e respeito por todas as posições (o que às vezes é difícil). Se em algum momento não conseguir, peço desde já desculpa, mas a forma como esta campanha tem decorrido nem sempre desperta o melhor em mim.

Como nota pessoal, e para me distanciar do tipo de campanha de António José Seguro, nada disto é pessoal, nada me move contra Seguro nesse plano, tudo isto é política e é estritamente de forma política que devemos encarar esta situação e analisá-la.

Até já.



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 19:49 | link do post | comentar

Sexta-feira, 12 de Setembro de 2014

Imagine o leitor que é uma pessoa famosa, com nome na praça. Imagine o leitor que isso se deve não só a um cargo de destaque que ocupou durante vários anos, mas sobretudo às suas intervenções públicas vigorosas, que lhe valeram a reputação de paladino dos fracos e de campeão dos descamisados. Imagine ainda o leitor que isso o torna numa personalidade com razoável cotação na bolsa de valores da política, ao ponto de haver um pequeno partido interessado a tê-lo como cabeça de lista nas eleições para o Parlamento Europeu.

 

A ideia provoca calafrios ao leitor, agita-o até ao fundo mais fundo da sua alma. Não passou o leitor os últimos anos a lançar impropérios contra a política, essa porca, e sobretudo contra os políticos, eles todos ladrões? Não lutou o leitor durante tanto tempo para proteger os seus desprotegidos concidadãos contra os abusos daqueles canalhas? A primeira reacção será então sentir-se ofendido pela proposta – como uma senhora de bem se ofenderia caso lhe propusessem um emprego num bordel. Mas o leitor acalma-se, reflecte longamente e decide aceitar. É que esta é uma boa oportunidade de fazer ouvir a sua virtuosa voz, de continuar a combater pelas causas em que acredita. Os políticos, todos eles, podem ser uns escroques, mas o leitor nunca o será, porque o leitor tem moral, o leitor tem consciência, o leitor tem escrúpulos! Por isso, decide ir corajosamente à luta.

 

O leitor vai então à luta. Durante uma longa e dura campanha, expõe ao país as suas ideias e atrai multidões – multidões descontentes, mas ainda com esperança, que vêem no leitor o seu campeão contra uma classe política que as maltrata. As expectativas, apesar de tudo, não são muito altas. O leitor não é, de modo nenhum, um político profissional (nem nunca desejaria sê-lo, salvo seja) e isso é uma desvantagem num jogo à partida tão viciado. Além disso, o pequeno partido que o apoia é mesmo pequeno e nunca teve bons resultados nas várias eleições a que concorreu. Mas eis que chega o dia da eleição e o leitor triunfa! Relativamente falando, claro está. Muitos outros partidos conseguem mais votos, mas as expectativas eram baixas e foram superadas em muito. O leitor consegue ser eleito. Mais surpreendente ainda: não vai sozinho para Bruxelas.

 

O leitor, naturalmente, exulta! Mas, como pessoa responsável que é, tem consciência plena dos seus deveres e obrigações, e compreende que aquilo que lhe foi confiado nas urnas é para ser respeitado com zelo. Cabe agora ao leitor representar uma parte importante do eleitorado junto da magna assembleia dos eleitos da Europa. A cabeça está repleta de ideias e projectos, todos eles alimentados pelos mais altos ideais. Muito vai ser feito nos cinco anos do seu mandato!

 

O leitor chega portanto a Bruxelas cheio de esperanças e sonhos. Mas cedo descobre quão tolo e iludido foi. Descobre-o logo ao fim de um mês, quando, como pessoa responsável que é, de boas contas, vai verificar o seu saldo bancário e descobre, para seu horror uma avultada quantia. O coração pára de bater um instante. O leitor sente um abismo a abrir-se debaixo dos seus pés. A obscena quantia de dinheiro corresponde à remuneração que lhe  é atribuída enquanto membro da magna assembleia. O leitor sente vergonha. Pensa primeiro que tudo nos trabalhadores do seu país, tantos deles a sobreviverem a custo com um salário mínimo de miséria. Aparecem-lhe diante dos olhos os milhares de rostos de todos os eleitores desfavorecidos que lhe confiaram o seu voto e que depositaram no leitor a sua confiança e a sua esperança. A noite que se segue é medonha. O leitor dá voltas e voltas na cama, ensopado de suores frios. Os escrúpulos não o deixam dormir. É inaceitável ter de receber uma quantia tão grande como salário. O leitor toma uma decisão.

 

Poderia o leitor talvez escolher abdicar do salário ou doá-lo por inteiro e continuar a exercer o seu mandato pro bono. Mas o leitor não é rico e precisa de se sustentar. Além disso, planeia trabalhar no duro na defesa dos interesses do seu povo (ao contrário dos políticos, esses bandidos), e é justo que seja remunerado por isso. Poderia então abdicar de parte do seu salário, e dedicar os cinco anos do seu mandato a lutar contra os altíssimos salários auferidos pelos membros da magna assembleia, apresentando moções, projectos de lei, fazendo perguntas, enfim, o que fosse preciso. Mas a descoberta da abjecta quantia na conta bancária abalou de tal modo a confiança e a determinação do leitor que já nem tem forças para isso. Além de tudo mais, o leitor teve uma epifania: Bruxelas é uma verdadeira Sodoma e só resta ao virtuosíssimo leitor seguir o exemplo de Lot e abandonar a cidade à sua perdição.

 

O leitor assim faz, com uma maldição nos lábios – mas lentamente. Tal como a comadre que olha para o relógio e diz que tem de mesmo de se ir embora, mas que vai ficando a tagarelar durante uma hora ou duas mais, assim o leitor anuncia que vai partir, lança impropérios contra o antro de perdição para o qual foi enviado, e deixa-se ficar. Entra-se depressa mas sai-se devagarinho. Durante este tempo, claro está, continua a receber a obscena quantia, sem que nisso haja qualquer contradição. É moralmente condenável que os representantes da nação recebam tanto – mas ninguém pode esperar que o leitor renuncie à remuneração. Já lhe basta o sacrifício que faz todos os dias ao ter de conviver com políticos, essas bestas, no seu habitat natural, enquanto não abandona o lugar infecto.

 

Fosse o leitor um político, que é como quem diz um safardanas, e poderia haver quem condenasse o facto de o leitor, a quem os eleitores entregaram um mandato, tivesse decidido abandoná-lo ao fim de tão pouco tempo, e depois de não ter feito nada senão amaldiçoar o cargo para que foi eleito. Poderia ainda haver quem questionasse as verdadeiras motivações por detrás desta decisão, quem estranhasse que a declaração de renúncia tenha sido acompanhada pelo anúncio de planos para concorrer a legislativas e mesmo a presidenciais. Haveria, enfim, quem se atrevesse a pensar que tudo não tenha passado de uma enorme fraude e que a campanha para as europeias não tenha sido senão um trampolim para chegar a poleiros mais altos. Claro que nada disto faz sentido: afinal de contas, o leitor não é um político, que é como quem diz um patife, mas sim uma pessoa de bem, um modelo de virtudes. O que o levou a renunciar a este cargo não foi senão escrúpulos, e o que o leva agora a querer concorrer a outras eleições, fundando, para esse efeito, um novo partido, não são senão um louvável sentido de dever e o desejo de se sacrificar pelo bem público.

O leitor, afinal de contas, não é um político, que é como quem diz um vigarista, e portanto pode usufruir dos privilégios da virtude. É que aos virtuosos, ao contrário dos biltres, não há nada que não seja permitido.

 



publicado por Fábio Serranito às 22:46 | link do post | comentar

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