A ideia de que a desindustrialização e a tercearização das actividades profissionais haveriam de destruir a classe operária nos países desenvolvidos logrou reduzir algum eleitorado de esquerda em 'benefício' de uma direita liberal, liberalizante, liberalizadora e liberista que ludibriou uma classe média inteira que se imaginava já a crescer rumo a um bem estar material capaz de a afastar de séculos de pobreza. A ideia era «emancipasteis-vos (como se a emancipação das classes trabalhadoras preocupasse a direita) e agora o caminho é vosso! Podereis enriquecer e deixar de acreditar na figura paternalista do Grande Estado Papão para vos conduzir nas vossas vida.» Por estranho que possa parecer a ideia vingou. Mas vingou no sentido em que as pessoas infantilizadas tendem a apoiar quem lhe diz aquilo que elas querem ouvir. A ideia da posição social, do estatuto e da aparência, relembra a velha máxima do Eclesiastes «vaidade, tudo é vaidade», e assim vimos as esquerda continuarem a desfragmentarem-se e, desavindas entre si, a servir a agenda liberal, liberalizante, liberalizadora e liberista da Direita, que é só uma, una e indivisivel na sua senda por uma política pragmática de destruição dos bens comuns.
É então necessário começar por desconstruir este discurso que, como todos os discursos fáceis e pragmáticos, impedem que a maior parte das pessoas se decidam a reflectir algum tempo nas suas opções. Quando Marx exortou os proletários de todo o mundo a unirem-se, o mundo viu nisto um grito de revolta e condução dessa revolta dos espíritos que fez tremer as nações imperialistas. Imagine-se só, um mundo inteiro unido contra a exploração do grande capital. Hoje, letrados que somos, olhamos para esta frase e pensamos que se trata de mais uma teoria da conspiração, mas no fundo todos os novos operários de fato e gravata reconhecem o seu sonho de se tornarem eles próprios esse capitalista condutor dos negócios humanos. É uma espécie de desejo reprimido: todos querem ser ricos e, na aparência, todos o são já, pois o seu jeito aprumado e vaidoso de se dirigirem para os seus lugares de trabalho é já uma fase avançada (pensam eles) da sua ascensão profissional. Do alto da sua juventude, arrogante e altiva, pensam que nada lhes faltará, pois o capital é o seu senhor e tudo lhes será providenciado. Novas formas de religião.
Mas imaginemos agora que eramos capazes de destruir este retórica semiótica (a elegância não é senão a eloquência da forma) e era aprovada uma lei que obrigava todos os consultores, todos os estagiários, todos os advogados, todos os técnicos administrativos e superiores da administração pública ou do sector privado a trocar o seu belo costume Zara (para os em início de carreira) ou Georgio Armani (para os outros) por um fato macaco igual aos dos trabalhadores das oficinas ou das fábricas que permanecem, quais aldeias gaulesas, no nosso país. Melhor, que as pessoas haveriam de vestir-se consoante o salário auferido (em virtude de ser perceptível aos olhos de toda a gente a composição do tecido social em virtude dos rendimentos de cada um). Naturalmente que mais de metade das pessoas que vestem fato e gravata haveriam de ver-se a vestir da mesma maneira que um operário fabril do Vale do Ave, embora o primeiro julgue que vive muito melhor que o segundo.
Claro que esta ideia, parecendo uniformizadora, é só colocada do ponto de vista hipotético, mas não deixaria de ser um exercício útil para todos aqueles que andam a deixar-se embalar pela cançoneta da direita, que grita de uma maneira muito dissimulada «Individuos de todo o mundo, separai-vos, sózinhos ides muito mais longe».
Só mais um pequeno exercício. Há cem anos atrás uma lavadeira de Alfama se saísse do seu bairro haveria de ver os 'senhores' vestidos ricamente, e era capaz de os identificar e de compreender-se a si própria, de uma maneira muito específica, em confronto com a caleche do ministro, a cartola do advogado ou as mangas do bancário. Hoje em dia vamos todos para a Praia da Falésia, em Vilamoura, de calçãozinho de banho chique ou a imitar bem o chique e estendemos a nossa toalhinha no areal. Ao nosso lado um homem na casa dos seus cinquenta anos faz o mesmo. Parece que tem uns calções iguais aos nossos e a toalha é normalíssima. Podiamos ser nós daqui a uns anos. Podiamos, mas aquele homem é só o tipo que especula divida pública portuguesa em mercado secundário.
Pois é, uma vez ouvi o Eng. José Sócrates dizer que nós, os socialistas (falta saber se eram os verdadeiros ou não) não somos pelo igualitarismo. Tem razão, este igualitarismo da forma tapa-nos a razão e é apenas mais uma forma de dissimular a verdade com a aparência, à qual somos todos vulneráveis. Porque se se via o orgulho de Diógnes pelos buracos do seu manto, não se vê a gula e a avareza de um banqueiro pelas suas havaianas.