A novilíngua que sub-repticiamente se tem apoderado do discurso vigente alicerça-se, tantas e tantas vezes, em mitos e conceitos pouco credíveis. As crenças de poucos tornam-se os dogmas de muitos. Questioná-los, nem sempre é fácil e pode até tornar-se uma experiência perigosa. E assim, qual vórtice, é a lógica dominante que tudo suga, criando a espuma dos nossos dias.
O dia em que Mariana Mazzucato participa numa conferência sobre políticas públicas de apoio à inovação, organizada pelo Partido Socialista, afigura-se como o momento ideal para replicar o seu inestimável contributo. Assim, surge na alcateia um uivo de alerta para a importância do Estado enquanto motor dinâmico da ciência e da economia, o qual subverte a ideia da iniciativa privada como força inovadora por excelência.
“(…) l’imprenditorialità – quella che oggi, apparentemente, tutti i politici e tutti gli altri funzionari sono desiderosi di incoraggiare – non è (solo) una questione di start-up, venture capitals e geni individuali che inventano prodotti rivoluzionari nel garage di casa. È una questione di volontà e capacità degli operatori economici di accollarsi il peso dei rischi e di una reale incertezza di Knight, cioè quello che è effettivamente sconosciuto. (…) Investimenti tanto radicali, che comportavano un elevatissimo livello di incertezza, non sono avvenuti grazie a venture capitalists o inventori da garage. È stata la mano visibilie dello Stato che ha dato corpo a queste innovazioni.” (Mariana Mazzucato, O Estado Inovador, 2014)
Numa época em que o empreendedorismo, mais propriamente o empreendedorismo que resulta do investimento de empresários em micro ou pequenas organizações, tem sido apregoado como a panaceia para alguns dos problemas estruturais da economia portuguesa, visões como a da economista italiana ajudam a refutar esta perspectiva, já que relevam o papel fundamental do Estado na inovação. Ao contrário dos arautos do neoliberalismo, Mariana Mazzucato olha para o Estado como um motor dinâmico, a quem não cabe apenas assegurar as funções vitais de uma sociedade. Na sua opinião, sem a capacidade e a vontade do Estado, dificilmente haveria investimento em sectores realmente inovadores, já que o risco de tal aposta é, habitualmente, demasiado elevado para a iniciativa privada. Para fundamentar a sua posição, dá o exemplo da “revolução verde”.
Mas, a economista italiana vai mais longe e lança uma ideia, no mínimo, provocadora: e se o milagre de Sillicon Valley se devesse ao investimento público? No seu entender, sem que tal investimento tivesse acontecido, empresas como a Apple não seriam o que hoje são. Isto porque muitos dos elementos revolucionários que se encontram na base do iPhone foram financiados por fundos estatais (por exemplo o Siri, o GPS, a internet ou o sistema táctil).
Mariana Mazzucato defende, assim, que a mão visível do Estado, consubstanciada no apoio das instituições públicas à inovação, é o verdadeiro dínamo transformador da estrutura económica de um país. Foi assim que aconteceu no Estados Unidos, quando a Darpa financiou o investimento na internet, mas também foi assim no Brasil, onde o Bndes se tornou num dos maiores investidores no sector das tecnologias verdes. No entanto, para a economista italiana, tal aposta só é possível se essas instituições públicas puderem usufruir de “capitais pacientes”. Isto é, se existirem instituições financeiras com capacidade de pensar segundo uma perspectiva de longo-prazo, como acontece com o KfW na Alemanha.
Por conseguinte, o discurso dominante, suportado pela ideia de que o voluntarismo e a boa vontade são condições suficientes para transformar as estruturas económicas de um país, é desmistificado. Para Mariana Mazzucato, o Estado é, per se, uma força dinâmica e inovadora, ao qual cabe um papel insubstituível na promoção do crescimento inteligente. Esta perspectiva chega, inclusivamente, a colidir com a argumentação de alguns líderes de Esquerda, que insistem na ideia de que não cabe ao Estado criar postos de trabalho ou que enfatizam, permanentemente, as virtudes do discurso do pequeno empreendedorismo.