Quarta-feira, 07.06.17

A realidade continua a escapar à lente dos analistas encartados. Falam sobre o manifesto do Labour como se de um manual da década de 1970 se tratasse. Profetizam um regresso ao passado, mesmo quando são os jovens que, massivamente, se deixam seduzir por aquelas propostas. Tal como já havia acontecido com Bernie Sanders, aquando das primárias democratas nos Estados Unidos. Tratam-nos como Marty's McFly, dizem que estão sedentos por voltar atrás no tempo. Não percebem que, tal como no filme de Robert Zemeckis, é no futuro que estes jovens querem estar. Não o percebem porque ainda não compreenderam de que se tratará o futuro.

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Fonte: adaptado de Desigualdade - O que fazer? (Atkinson, 2015)

A imagem acima apresentada retrata a evolução da desigualdade de rendimento e da pobreza no Reino Unido, desde a década de 1950. Em relação à desigualdade de rendimento, o que se observa desde a década de 1980 é um aumento exponencial. Em 2012, não só a disparidade entre o que ganhavam os 10% mais ricos e o que ganhavam os 10% mais pobres era superior, comparativamente ao que acontecia em 1980, como havia uma percentagem maior do rendimento que se destinava aos que mais auferiam (o afamado 1% do topo). Em termos de distribuição global do rendimento disponível, a situação era semelhante, como se pode observar pela evolução do coeficiente de Gini. Apenas a percentagem de pessoas que vivem abaixo da linha oficial da pobreza começou a diminuir desde a década de 1990. Registando, ainda assim, valores superiores aos observados no início da década de 1980. Se o regresso que temem é a uma sociedade menos desigual, então só se enganam no enquadramento temporal que fazem. O que está em causa não se trata de um discurso antiquado ou de qualquer esquizofrenia saudosista. O que está em causa é uma das lutas do futuro, é tão simplesmente o progresso. 

 

E, no final do dia, será isto que importará na altura de votar. For the many, not the few!



publicado por João Moreira de Campos às 21:08 | link do post | comentar

Quinta-feira, 21.01.16

Não há uma linha na Constituição Portuguesa de onde se possa extrair que o Presidente da República tem necessariamente de ser um mero árbitro. É verdade que tem sido essa a prática, e isso tem valor em si mesmo. Mas não é uma imposição constitucional. Pelo contrário, tem derivado da visão que os candidatos e (principalmente) os Presidentes em exercício têm tido da função presidencial. Isto não quer dizer que o Presidente possa ter funções executivas, que cabem exclusivamente ao Governo enquanto “órgão de condução geral da política do país”.

 

E, no entanto, nesta campanha temos dois tipos de candidato: os que propõem uma actuação que é claramente da exclusiva competência do Governo ou da Assembleia e os que propõem uma actuação que os tornará em bibelots da República. O problema é que os primeiros estão a enganar o eleitorado, ao prometerem o que nunca poderão cumprir, e os segundos pedem aos cidadãos um cheque em branco, ao prometerem que serão imparciais e decidirão apenas com base no interesse nacional (ou seja, com base na maneira como interpretarão o que é o interesse nacional).

 

Estes últimos querem, no fundo, ser eleitos porque são independentes, porque são ponderados, porque têm bom senso, etc. E, já se sabe, quando se quer ser tudo não se é verdadeiramente nada. Aliás, é exactamente por isso que não têm outra alternativa que não seja fazer uma campanha que promete “muitos afectos”, “unir”, “mais simpatia”, “capacidade” e outras vacuidades semelhantes. Querem que legitimemos a sua personalidade, o seu carácter, a sua idoneidade, a sua experiência.  É a personalização da Política em todo o seu esplendor. E, consequentemente, o seu esvaziamento.

 

Bem sei que a linha é ténue mas não tenho qualquer dúvida que havia espaço para uma campanha mais substantiva politicamente. Se cada candidato traçasse as linhas vermelhas que despoletariam a sua intervenção mais assertiva (no respeito dos poderes constitucionais, naturalmente), não só estava a ser mais transparente como estava a legitimar a sua actuação futura. E agora estaríamos a discutir essas linhas vermelhas e não quem é mais simpático, independente ou materialmente despreendido…  

 

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 Giuseppe Arcimboldo, "Vertumnus" (1591)



publicado por Pedro Silveira às 17:37 | link do post | comentar

Quinta-feira, 22.10.15

 

A expressão do 'nacional-parolismo' hoje no Expresso.

 

Esta coisa que nos ficou de querermos conhecer a visão do estrangeiro sobre nós (envergonhar-nos-íamos do que se lê na literatura de viagem dos séculos XVIII a XX) deu-nos para considerarmos como mais douta a opinião do outro sobre nós próprios do que aquilo que consideramos correcto e justo sobre o nosso destino. Se cai uma ponte, corremos a ver o que diz a Europa e não é sem um certo 'contentamento mórbido' que nos sabemos notícia.

 

Acontece que, mercê dos tempos em que vivemos, e não bastando a expressão da reacção lusitana e da oposição à oposição da oposição; auxilia-se a 'Informação' do que se diz em "Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!". Estes reforços que a minoria víncula (ora com pedidos expressos à la carte, ora com opiniões comprometidas com o bom sucesso das armas da city sobre as de Portugal nas urnas) servem para mais do mesmo: ensinar-nos paternalmente o que devemos fazer e o que devemos pensar, porque essa coisa da democracia é sempre boa enquanto não for inconveniente... Com quem manda, certamente, mas foi para isso que votamos assim.

 

José António Borges

 

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publicado por José António Borges às 10:50 | link do post | comentar

Quinta-feira, 15.10.15

 

troika esquerda eleições(Imagem de Pedro Vieira, através de Paulo Querido)

 

Já muito foi dito sobre o actual impasse pós-eleitoral – de que saliento os contributos do Pedro Silveira (aqui, aqui e aqui), do Porfírio Silva (aqui e aqui) e do Paulo Pedroso (aqui), entre muitos outros – e ainda muito há a dizer sobre vários dos seus aspectos. No entanto, dada a euforia (e a histeria) que reina em todos os lados (present company included), embora em lado nenhum atinja os níveis de radicalismo que atinge no Observador, parece-me importante recentrar o debate na sua essência.

 

Por isso, é importante voltarmos aos resultados da noite eleitoral e ao contexto da Comissão Política Nacional que se lhe seguiu, onde se decidiu o rumo a seguir.

 

As eleições resultaram numa vitória da coligação de Direita, é certo e politicamente significativo (e surpreendente), mas isso sozinho não explica o problema objectivo que temos entre mãos. Num cenário de maioria absoluta da Esquerda (107 deputados para a Direita e 122 para a Esquerda, sem contar com o Deputado do PAN) é importante perceber, seja qual for a nossa opinião sobre o desejável, como é que se assegura a formação de um governo e consequentes aprovações de Orçamentos do Estado.

 

(Para aqueles que acham que as categorias de Esquerda e Direita são redutoras e/ou ultrapassadas, eu pergunto: estão a ver o cenário de acordo entre PS e CDU/BE ser possível entre PSD e CDU/BE? Não, pois não? Então a questão mantém-se independentemente do nome que queiram dar às coisas.)

 

Mesmo que defendamos um governo de Direita, a questão das condições de governabilidade não deixa de se colocar e é nesse contexto que temos de olhar para a decisão que o PS tomou na sua reunião da Comissão Política Nacional.

 

Nessa reunião, o mais determinante foi que, ao contrário de em todas as eleições anteriores, apenas há um único partido que, não sendo o mais votado, pode assegurar a governabilidade ao país, seja à Esquerda ou à Direita: o Partido Socialista. No actual Parlamento nenhum arranjo partidário permite a governabilidade sem o PS, isto é um facto. Portanto, o Partido Socialista não poderia simplesmente decidir ir para o seu lugar de ‘oposição responsável’ sem, por abstenção ou aprovação, decidir dar o seu apoio a uma ou outra solução de governo. Admito que muita gente ache que o PS deveria viabilizar, nem que fosse pela abstenção, o Governo e o Orçamento (pelo menos um) da coligação de Direita. Acontece, no entanto, que o Partido Socialista prometeu aos eleitores na campanha eleitoral não viabilizar um governo da Direita nem aprovar o seu Orçamento, colocando-se antes das eleições o cenário que hoje se coloca. Aliás, a Direita não pode vir dizer que os eleitores que votaram no PS não votaram para a solução que hoje se vislumbra, porque fizeram campanha exactamente tentando assustar os eleitores com essa possibilidade. E devem ter tido sucesso, a avaliar pelo resultado das eleições.

 

Posto isto, a questão que coloco a todos é:

 

O Partido Socialista deve viabilizar o Governo e o Orçamento da Direita, ignorando aquilo que expressamente disse na campanha? E, se sim, conseguem dizer isso com cara séria depois de nos últimos quatro anos, pelo menos, terem chamado mentirosos aos políticos por não cumprirem o que prometem em campanha?

 

Ou, alternativamente, acham que o PS deve cumprir o que disse na campanha e votar contra o Governo e os Orçamentos, lavando daí as suas mãos, sem se preocupar com as consequências para o país nem apresentar alternativa?

 

É que se não concordam com nenhuma das anteriores, o que resta é exactamente o que o PS está a fazer: procurar uma alternativa política que lhe permita inviabilizar a governação da Direita, tal como tinha prometido, sem que isso implique que o país fique absolutamente ingovernável no futuro próximo, sem Governo nem Orçamento até, pelo menos, o próximo verão.

 

Sou só eu que acho isto tudo absolutamente evidente?



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 23:01 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Vencidos pela evidência, muitos indignados com a potencial coligação de Esquerda começam a passar de uma argumentação baseada na legalidade para uma argumentação baseada na legitimidade. E este é talvez o único bom argumento existente. Mas tem de ser utilizado (e desmontado) com clareza, sem misturar todos os outros argumentos numa sopa rápida. A invocação da inexistência de legitimidade política para o PS se aliar com a Esquerda é um bom argumento porque se centra na maneira como a comunidade política encara a situação. Existe uma crença generalizada que ela é justa, natural, adequada? Se tivermos em conta as expectativas dos portugueses (construídas pela tradição política “o partido mais votado forma governo”) podemos encarar o “não” como a resposta evidente e, consequentemente, considerar esta solução ilegítima.


No entanto, o facto de a legitimidade não ser um conceito objectivo tanto permite esta argumentação como reforça a contrária: por um lado, a legitimidade é influenciada pelas expectativas mas não decorre pura e simplesmente delas, e por outro, se se tiver em conta os resultados eleitorais há boas razões para acreditar que grande parte da comunidade política, sabendo hoje da sua possibilidade, encarará esta solução como boa, ou seja, como justa, natural, adequada. No entanto, convém não ignorar a evolução da intensidade e da localização sociopolítica da contestação à solução. Por enquanto, ela não é significativa.


Mas se dificilmente poderemos encarar esta solução como politicamente ilegítima, questão diferente diz respeito ao grau. Ou seja, pode até não ser ilegítima uma aliança de Esquerda mas é, pelo menos, menos legítima da que existiria se o PS tivesse ganho as eleições. Julgo que não há como escapar a esta constatação. Pelo contrário, ela deve ser compreendida, assumida e respondida pelos diversos actores, a começar por António Costa. Ignorar esta questão é dar passos ao lado num caminho que já é, por natureza, muito estreito.

 

Na minha opinião, uma resposta adequada implicaria, pelo menos: a desmontagem pedagógica, um a um, dos restantes argumentos utilizados contra a solução; admitir que a precedência de tentar formar governo cabe a Passos Coelho mas, caso este não consiga uma maioria, uma alternativa maioritária é preferível e necessária (sendo que o PS tem toda o direito de preferir construí-la à Esquerda); afirmar claramente que em futuras eleições o PS não reclamará o direito de formar governo apenas porque deteve maioria relativa; um mandato claro (preferencialmente referendário) por parte dos militantes dos partidos de Esquerda; a construção de um discurso comum positivo (que ultrapasse o objectivo de “evitar que a Direita continue a governar” ou “acabar com a austeridade”); a rápida divulgação e explicação do acordo; e, por fim - talvez o mais difícil mas essencial - a existência de um acordo para a legislatura.

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 “Charing Cross Bridge, London”, C. Monet (1901)



publicado por Pedro Silveira às 09:25 | link do post | comentar

Sábado, 10.10.15

- Quem teve mais votos foi a coligação PSD/CDS. É verdade, e isso garantiu-lhes a precedência na tentativa de constituir governo. Mas, obviamente, não lhes garante por si só o direito de formar governo. Tem existido uma enorme confusão entre aquela que é a prática e tradição política em Portugal e a reconhecida flexibilidade da Constituição. Ou seja, uma coisa é verificarmos que nunca existiu um partido ou coligação mais votado que não tivesse constituído governo, outra coisa é julgarmos que, por esse motivo, tal é inconstitucional. Por outro lado, muitos argumentam que, mesmo que seja possível, tal é ilegítimo. Ora o sistema eleitoral português é proporcional, o que significa desde logo, como lembrava Stuart Mill, que visa a prevalência da justiça eleitoral sobre a eficácia governativa e que esta deve ser buscada através de uma partilha de poder mais abrangente, que é como quem diz, através de coligações pós-eleitorais.

 

- Historicamente, o PS afirmou-se contra o PCP. É um facto histórico mas parece-me um fraco argumento para inviabilizar qualquer negociação, já que as circunstâncias eram a todos os níveis muitíssimo diferentes. É o mesmo tipo de argumento utilizado para criticar Durão Barroso por ter sido aos 20 anos do MRPP e mais tarde do PSD. Como se decidir o alinhamento partidário em 1975 fosse igual a decidir em 1985 e como se aquilo que pensamos aos 20 anos exigisse a coerência de uma vida.

 

- O PS perderá para sempre os eleitores de centro. Acenar com a radicalização do PS é prosseguir a campanha de medo em período pós-eleitoral. Mas alguém pode seriamente achar que, a existir qualquer tipo de acordo com os partidos à sua esquerda, o PS governaria de modo radical? Uma negociação implica cedências e o PS sozinho não seria igual ao PS acompanhado de PCP e BE mas daí a vislumbrar-se um governo do PS a implementar as medidas mais radicais daqueles partidos é simplesmente uma ilusão conveniente. Por outro lado, os grandes sábios que por estes dias se têm entretido a interpretar o que queriam os portugueses quando votaram acham mesmo que quem votou PS pesou mais o “factor europeu” do que o “factor alternativa”? Independentemente da resposta – até porque acho o exercício de interpretação esdrúxulo – o meu ponto é este: tanto num caso como noutro nada inviabiliza, per se, a moderação do PS.

 

- O PCP e o BE podem estar a fazer bluff. Não obstante a dúvida ser absolutamente legítima, ela não passa de uma dúvida. Para além disso, pode existir tanto do lado do PS como do PCP e BE já que é tão verdade que estes partidos podem estar a aproveitar para definir o campo de oposição dos próximos anos através do enfraquecimento do PS como é verdade que o PS possa estar a negociar à esquerda para ganhar poder negocial à direita. No entanto, parece-me muito mais prejudicial deixar de negociar com medo de um eventual bluff da outra parte do que sofrer as consequências da sua concretização. A primeira é uma derrota por falta de comparência, a segunda é uma derrota honrada. A diferença é que só a segunda permite a possibilidade de vitória.

 

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'La clef des champs'. René Magritte (1936).

 



publicado por Pedro Silveira às 12:58 | link do post | comentar

Quarta-feira, 07.10.15

Com várias variantes, esta frase tem sido largamente proferida nos últimos dias: "O povo português escolheu não dar maioria absoluta a ninguém, o que obrigará os partidos a buscar consensos que possibilitem a estabilidade e a prossecução de reformas estruturais essenciais". Ora bem:

 

1. O povo português não é uma entidade orgânica, não é um ser consciente que se expressa através de votos. Bem sei que por trás desta questão reside a eterna e dificílima questão de conversão da soberania popular em representatividade e eficácia governativas mas convém não responder a um problema difícil com abstracções patetas.

2. O consenso, per se, é profundamente esvaziador da Democracia (e até da Política). Ao contrário da negociação, que permite a racionalização do dissenso. Apelar ao consenso político é, em regra, chamar a atenção para a irrelevância do debate, como se tomar decisões que afectam uma comunidade política fosse um mero expediente empresarial.

3. Qualquer negociação que se quer eficaz implica dar e receber e, certamente, não se busca nem alcança através da comunicação social. Não se anuncia a vontade de uma negociação séria, caso exista afirma-se como uma realidade. É daquelas coisas que antes de o ser já o era.

4. A estabilidade é um meio ou fim? Se for um meio, ainda que importante, não é sacrossanta. Mas, nesse caso, serve para alcançar o quê? Se os actores políticos respondessem com seriedade intelectual a esta pergunta talvez percebessem em que tipo de Democracia pretendem governar. Fazerem a pergunta já não era mau.

5. A felicidade é muito importante. Ninguém discorda da frase anterior porque cada um projecta nela o seu sentido de felicidade. As reformas estruturais necessárias são exactamente a mesma coisa – tudo e coisa nenhuma. Não admira que estejam sempre inacabadas! E, por isso, benzam-se, senhores… é à Política que cabe disputar o seu sentido. Esta disputa implica dissenso e, eventualmente, negociação mas nunca verdades absolutas.

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'The Cyclops'. Odilon Redon (1914).

 



publicado por Pedro Silveira às 15:43 | link do post | comentar

Terça-feira, 06.10.15

“A nostalgia comunista em particular não deve ser levada demasiado a sério: longe de exprimir um autêntico desejo de regresso à realidade cinzenta do regime anterior, aproxima-se mais de uma forma de luto – um processo de abandonar suavemente o passado. A ascensão do populismo de direita, pelo seu lado, não é uma especialidade europeia ocidental, mas um traço comum a todos os países apanhados pelo sorvedouro da globalização. Mais interessante é, portanto, a terceira reacção, a ressurreição insólita de uma paranóia anticomunista ao fim de duas décadas. À pergunta «Se o capitalismo é, de facto tão superior ao socialismo, porque continuam as nossas vidas a ser tão miseráveis?», fornece uma resposta simples: é porque, de facto, não chegamos ainda ao capitalismo, é porque os comunistas continuam, de facto, a governar, só que usando agora as máscaras de proprietários e de gestores…”

Viver no Fim dos Tempos, Slavoj Zizek

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publicado por Gabriel Carvalho às 23:56 | link do post | comentar

Terça-feira, 28.04.15

 

 

Antes de mais, não percebo a comparação de Thomas Piketty com Karl Marx. A ser feita uma comparação, faria muito mais sentido compará-lo com John Maynard Keynes, que (de forma semelhante com Piketty) nunca foi comunista (foi até anti comunista), nem sequer socialista, era um membro do partido Liberal.

 

Piketty esteve em Portugal e, além de esgotar a lotação de três auditórios na fundação Calouste Gulbenkian, encontrou-se com diversos líderes da esquerda moderada, de António Costa a Sampaio da Nóvoa, passando por Rui Tavares.

Deu também uma excelente entrevista em que torna claras muitas coisas sobre a crise e a actual situação europeia e portuguesa. Ficam aqui uns excertos que me pareceram particularmente propícios como semente para a reflexão:

 

«Os políticos são escravos da opinião pública. Por isso o importante é contribuir para transformar a opinião pública dominante, mais do que convencer os políticos.»

 

«O que é realmente dramático é que transformámos uma crise que nasceu no sector financeiro privado americano numa crise de dívida pública, apesar de, inicialmente, a Zona Euro não ter mais dívida do que os EUA, o Reino Unido ou o Japão. E conseguimos, apenas por causa das nossas más instituições e más decisões macroeconómicas, criar uma crise a partir do nada.»

 

«Não vamos encontrar o nosso futuro na Europa se todos nos tornarmos paraísos fiscais. Sei que em Portugal há esta discussão de baixar o IRC de 21% para 17%, a seguir vai ser de 17% para 10% e depois de 10% para zero. Se continuamos por esse caminho, daqui a 10 ou 20 anos não haverá impostos sobre as empresas na Europa.»

 

«Falaram-me [o PS] do programa que apresentaram para as eleições. Parece-me ter medidas muito razoáveis. [...] estão a pensar criar um imposto sobre as heranças mais elevadas. Não digo que tenha de haver um imposto muito pesado, mas penso que esta medida vai no sentido certo. Se se recebe 100 mil euros com o trabalho, paga-se impostos. Não faz sentido receber um milhão, 10 milhões de euros sem trabalhar e não pagar nada.»

 

«O que o líder do PS me disse foi que têm um plano A e um plano B. O plano A é assumir que seguimos as regras do Pacto e o plano B é tentar mudar as regras na Europa. Para mim faz sentido ter estas duas abordagens.»

 

Há muito que ficou de fora e vale mesmo a pena ler a entrevista na íntegra.



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 21:04 | link do post | comentar

Segunda-feira, 20.04.15

A novilíngua que sub-repticiamente se tem apoderado do discurso vigente alicerça-se, tantas e tantas vezes, em mitos e conceitos pouco credíveis. As crenças de poucos tornam-se os dogmas de muitos. Questioná-los, nem sempre é fácil e pode até tornar-se uma experiência perigosa. E assim, qual vórtice, é a lógica dominante que tudo suga, criando a espuma dos nossos dias.

 

O dia em que Mariana Mazzucato participa numa conferência sobre políticas públicas de apoio à inovação, organizada pelo Partido Socialista, afigura-se como o momento ideal para replicar o seu inestimável contributo. Assim, surge na alcateia um uivo de alerta para a importância do Estado enquanto motor dinâmico da ciência e da economia, o qual subverte a ideia da iniciativa privada como força inovadora por excelência.

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“(…) l’imprenditorialità – quella che oggi, apparentemente, tutti i politici e tutti gli altri funzionari sono desiderosi di incoraggiare – non è (solo) una questione di start-up, venture capitals e geni individuali che inventano prodotti rivoluzionari nel garage di casa. È una questione di volontà e capacità degli operatori economici di accollarsi il peso dei rischi e di una reale incertezza di Knight, cioè quello che è effettivamente sconosciuto. (…) Investimenti tanto radicali, che comportavano un elevatissimo livello di incertezza, non sono avvenuti grazie a venture capitalists o inventori da garage. È stata la mano visibilie dello Stato che ha dato corpo a queste innovazioni.” (Mariana Mazzucato, O Estado Inovador, 2014)

 

Numa época em que o empreendedorismo, mais propriamente o empreendedorismo que resulta do investimento de empresários em micro ou pequenas organizações, tem sido apregoado como a panaceia para alguns dos problemas estruturais da economia portuguesa, visões como a da economista italiana ajudam a refutar esta perspectiva, já que relevam o papel fundamental do Estado na inovação. Ao contrário dos arautos do neoliberalismo, Mariana Mazzucato olha para o Estado como um motor dinâmico, a quem não cabe apenas assegurar as funções vitais de uma sociedade. Na sua opinião, sem a capacidade e a vontade do Estado, dificilmente haveria investimento em sectores realmente inovadores, já que o risco de tal aposta é, habitualmente, demasiado elevado para a iniciativa privada. Para fundamentar a sua posição, dá o exemplo da “revolução verde”.

 

Mas, a economista italiana vai mais longe e lança uma ideia, no mínimo, provocadora: e se o milagre de Sillicon Valley se devesse ao investimento público? No seu entender, sem que tal investimento tivesse acontecido, empresas como a Apple não seriam o que hoje são. Isto porque muitos dos elementos revolucionários que se encontram na base do iPhone foram financiados por fundos estatais (por exemplo o Siri, o GPS, a internet ou o sistema táctil).

 

Mariana Mazzucato defende, assim, que a mão visível do Estado, consubstanciada no apoio das instituições públicas à inovação, é o verdadeiro dínamo transformador da estrutura económica de um país. Foi assim que aconteceu no Estados Unidos, quando a Darpa financiou o investimento na internet, mas também foi assim no Brasil, onde o Bndes se tornou num dos maiores investidores no sector das tecnologias verdes. No entanto, para a economista italiana, tal aposta só é possível se essas instituições públicas puderem usufruir de “capitais pacientes”. Isto é, se existirem instituições financeiras com capacidade de pensar segundo uma perspectiva de longo-prazo, como acontece com o KfW na Alemanha.

 

Por conseguinte, o discurso dominante, suportado pela ideia de que o voluntarismo e a boa vontade são condições suficientes para transformar as estruturas económicas de um país, é desmistificado. Para Mariana Mazzucato, o Estado é, per se, uma força dinâmica e inovadora, ao qual cabe um papel insubstituível na promoção do crescimento inteligente. Esta perspectiva chega, inclusivamente, a colidir com a argumentação de alguns líderes de Esquerda, que insistem na ideia de que não cabe ao Estado criar postos de trabalho ou que enfatizam, permanentemente, as virtudes do discurso do pequeno empreendedorismo.



publicado por João Moreira de Campos às 14:40 | link do post | comentar


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