“Regressados de uma viagem à Argentina e Bolívia, os meus cunhados María e Javier trazem-me o jornal Clarín de 30 de Agosto. Aí vem a notícia de que vai ser apresentada ao Parlamento peruano uma nova lei de turismo que contempla a possibilidade de entregar a exploração de zonas arqueológicas importantes, como Machu Picchu e a cidadela pré-incaica de Chan-Chan, a empresas privadas, mediante concurso internacional. Clarín chama a isto «la loca carrera privatista de Fujimori». O autor da proposta de lei é um tal Ricardo Marcenaro, presidente da Comissão de Turismo e telecomunicações e Infra-Estrutura do Congresso peruano, que alega o seguinte, sem precisar da tradução: «En vista de que el Estado no ha administrado bien nuestras zonas arqueológicas – qué pasaría si las otorgaramos a empresas especializadas en otros países com gran efectividad ?» A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sixtina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz de Antonio da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a Cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. (…)”
Será novidade para alguns, poucos certamente, este texto de José Saramago, datado de 1 de Setembro de 1995, dos «Cadernos de Lanzarote – Diários III», e tornou-se, portanto, tão banal quanto a forma como nos são apresentadas as privatizações, cheias de benefícios e virtuosidades. Até se vão conhecendo planos de restruturação de determinadas empresas, para pouco depois vender, já em situação financeira equilibrada. Resta sempre saber a quem interessam. A título exemplificativo, veja-se a privatização da YPF, na Argentina em 1999, sob a presidência de Carlos Menem. Mas…
“(…)Aí se encontra a salvação do mundo… E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.”