Estavam ainda os ânimos em 2012 e as mentes no exórdio do novo ano quando surgiu na imprensa, de forma tímida, a novidade de uma regra de ouro forçosamente aprovada em Conselho de Ministros e aplicada na Lei de Enquadramento Orçamental. Para os mais atentos a medida segue apenas a lógica das vigas de barro da construção europeia; para os mais incautos, a notícia perdeu-se entre os fait-divers e o tittytainment mediático. O nosso país está de agora em diante obrigado a cumprir um défice estrutural de 0,5% e impelido a não superar o tecto de 60% da dívida pública, caso contrário pagará uma multa sancionatória de valor igual a 0,1% do PIB. Foi dado o tiro de partida para a austeridade eterna. A Europa sairá incólume?
No fundo, é de conhecimento geral que a União Europeia se encontra numa espiral suicida. A sua patologia depressiva tem sido remediada com sobredoses paridas de um receituário com intenções dúbias. A própria lógica de soluções económicas e financeiras parece por vezes indecifrável face à miserável condição em que se encontram os países alvo de intervenção externa. Nesta conjuntura que ameaça estruturalmente um projecto político de décadas não há lugar para ingenuidade. O desvendar de uma política traz sempre os verdadeiros beneficiados. Para encetar tal tarefa, uma análise dos desenvolvimentos recentes da construção europeia é-nos útil.
O BCE já anunciou a compra ilimitada de dívida pública. Um alívio no financiamento apenas destinado aos bons cumpridores do programa de assistência da Troika, aos alunos bem comportados de maçã ofertada ao professor. Até esse momento tinha apenas participado na injecção de dinheiro em bancos com dificuldades e facilitado o crédito a juros irrisórios, que muitos beneficiários aproveitaram para comprar dívida pública dos países onde se encontram sediados e a taxas elevadas. Já para não falar no fundo de doze mil milhões de euros destinados exclusivamente à banca privada. O destino dos países intervencionados está assim nas mãos sujas da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI. Qualquer solução europeia passa directa ou indirectamente pelo ideologicamente esquizofrénico labirinto dos cortes no Estado-social, privatizações a saldos, despedimentos e reduções salariais complementados com um aumento cego de impostos.
Não é destituído de sentido o facto do fundo europeu que constitui parte do empréstimo a países como Portugal, agora renomeado de Mecanismo de Estabilização Europeu, apenas financiar quem tiver ratificado o Tratado Orçamental Europeu. Garante o cumprimento de medidas que acarretam a transversalidade de economias depauperadas que competem externamente através de baixos salários e atraem investimento estrangeiro pela via das privatizações baratas de sectores estratégicos e naturalmente monopolísticos do Estado. Os bancos, esses têm garantida a sua recapitalização pelo MEE sem intermediação directa dos Estados após acordo sobre a Supervisão Bancária.
Deste modo, o anúncio da emissão de dívida portuguesa a cinco anos é apenas um manobra de diversão. O Portugal pós-troika que, segundo Passos Coelho, deve começar a ser alvo de reflexão com medidas de estímulo económico é uma mera fantasia. Uma fórmula política de manutenção no cargo. O futuro português é o seu presente. Cabe-nos romper com o passado recente e lutar contra a conjuntura troikista e a estrutura orçamental europeia.