Numa História sobre a Justiça em Portugal ainda estaria por apurar se houve algum momento da longa vida do nosso país em que, regra geral, dentro dos quadros legais e dos costumes morais vigentes em cada época, houve uma verdadeira Justiça que servisse o povo. Uma Justiça enquanto tal, mesmo que adstrita às leis dos homens e resultante dela. Uma Justiça justa e não certa, porque é mais fácil fazer o que é justo do que o que é certo.
Certamente que, percorrendo o quadro geral dos séculos, determo-nos-emos com mais rigor no pós 25 de Abril, já que foi com esta data, em 1974, que a cidadania se afirmou contra os poderes oligarcas, fossem eles dos detentores dos poderes públicos ou privados. Chegados aqui as coisas compuseram-se de uma maneira que os nossos avôs dificilmente conseguiriram imaginar. O poder público, unido com o poder cívico, criou escolas públicas, saúde gratuita e universal, serviços públicos mais ou menos burocráticos mas funcionais, um corpo de tribunais descentralizado em que, todos em conjunto, propiciaram a entrada de Portugal na modernidade. no fim do Século passado eramos já um país desenvolvido, em progresso, a crescer civica, cultural, social e economicamente.
Os últimos anos, porém, parecem ter parado esta marcha de Portugal. Perdoe-se-me a alegoria automobilistica, mas de marcha atrás, continuamos a fitar o futuro porque temos esperança, mais nada. Estamos mais longe do que quando nascemos, porque nunca estivemos tão descrentes. A condução das políticas no nosso país nos últimos anos tem sido a causa principal deste recuo. Não estamos a falar de medidas, mas de uma visão estrutural que o capital tem aplicado, com sucesso diga-se, em todos os países onde pode. Acontece que o poder político público existe para nos salvaguardar das injustiças cometidas por quem pode mais, e nesse sentido nunca Portugal foi um país tão injusto, porque nunca o poder económico foi tão poderoso. Estando todos nós à mercê do grande capital e das grandes corporações económicas e monetárias internacionais, não havendo entre elas e nós um poder protector que realmente sirva quem manda (i.e. nós o povo), a única coisa que podemos fazer é, efectivamente, soltar a Grandola que há dentro de nós, ir para a rua, exigir, gritar, ordenar. Por que estamos nús em sangue, como dizia Sophia.