A polémica das manifestações ao canto de «Grândola, Vila Morena», interrompendo as intervenções de governantes é paradigmática do momento que vivemos e da Democracia em que convivemos. O momento é de crise financeira, económica, social, do valor da dignidade humana, da integração europeia e da Democracia, e em todos estes vectores é profunda.
No que concerne àquela última, a crise da Democracia, radica talvez na ausência de respostas das instituições democráticas aos problemas das populações, na dificuldade de órgãos de soberania e partidos políticos compreenderem as aspirações da sociedade, e encontrarem soluções adequadas e sensatas.
Tenho lido e ouvido algumas opiniões, todas respeitáveis, sobre o que agora chamam tentativa de silenciamento do que chegou a Ministro, e agora aspira a mártir da liberdade de expressão, Miguel Relvas, e devo dizer que algumas me deixam perplexo, por não reflectirem o confronto democrático de direitos, liberdades e garantias do conjunto do Estado. De um Estado também composto por uma população.
Leio e ouço a eloquência na afirmação da inaceitabilidade daquilo a que chamam tentativa de silenciamento de Miguel Relvas, pergunto-me se sabem eles o que é silenciamento? Tratou-se do impedimento ao uso da palavra em determinado momento e espaço de tempo, é certo, e também é certo que foi limitada a liberdade de expressão, assim como vêm sendo limitados alguns dos direitos, garantias e liberdades de quem se manifestou naqueles momentos determinados, estivessem eles nos espaços em que ocorreram os incidentes, ou mesmo no sofá de cada casa portuguesa. Conjuguemos portanto as duas faces da mesma moeda.
Acrescentaria apenas que gostaria de ter assistido nos momentos certos, e por parte de algumas dessas opiniões, à mesma eloquência e contundência na denúncia do caso Pedro Rosa Mendes, na chantagem sobre uma jornalista do Público, nos excessos da Polícia de Segurança Pública (P.S.P.) da escadaria da Assembleia da República até ao Cais do Sodré, ou mais recentemente na identificação levada a cabo pela P.S.P., dos que se manifestaram cantando, no local onde intervinha Paulo Macedo. Queiramos ou não, todos estes e outros acontecimentos estão ligados a estas manifestações, e não devem ser dissociados na avaliação destas, tal como a governação não pode ser dissociada da população que serve.