Tu quoque Italia? É isto que devem estar a pensar, em Alemão claro, os grandes impulsionadores do consenso austeritário de Bruxelas, de Berlim e de Frankfurt, em face da recente ‘quase comédia Italiana’ (a feliz expressão é do Gabriel). Estarão certamente muito incomodados pela maçada que são as eleições e pelo incómodo que dá de cada vez que os eleitores de um país exprimem, pelo seu voto, que não é este o caminho que querem, por mais que o tentem impor.
Já muito, e bem, se tem escrito sobre estas eleições Italianas, como este e este posts, com que o Pedro Delgado Alves marca a sua reentrada (meteórica, digo eu) na blogosfera, ou este, do Daniel Oliveira. Mas acho que há duas ou três coisas dignas de nota, e acho que há implicações importantes que se podem ver, agora que temos uma maior amostra de resultados eleitorais no actual contexto de austeridade.
Com estas eleições acho que podemos começar a estabelecer aquelas que parecem ser as tendências comuns que se observam. Antes de mais, verifica-se uma queda acentuada dos partidos da alternância, principalmente dos maiores, isto parece estar a acontecer generalizadamente na Europa e não só nos países sujeitos à austeridade. Esta descida dos partidos do poder é acompanhada por uma subida significativa de partidos anti-sistema (apesar de tudo de uma forma diferente na Itália, mas já lá vamos). Mas há um cenário novo nestas eleições, elas foram as primeiras em que o líder tecnocrata de um governo ‘Troikista’ se candidata a eleições e a sua rejeição por parte dos eleitores foi clara. Os eleitores Italianos (e talvez se possa extrapolar para o caso geral, uma vez que a não candidatura do governo tecnocrata Grego se deveu a, aparentemente fundados, receios de insucesso) parecem preferir os populismos anti-sistema aos tecnocratas recomendados pelo governo Alemão e pelo BCE, tal como parecem rejeitar completamente o caminho de austeridade, mesmo na sua versão ‘light’ do Governo Monti.
Estas eleições apresentam também algumas singularidades. Para começar e ao contrário da Grécia, de Portugal, de Espanha, da Irlanda e da generalidade dos países Europeus, a Itália não tem uma Direita, digna desse nome, com expressão eleitoral. Longe de mim defender a necessidade do reforço de gente que pensa como Passos Coelho ou mesmo que pense como direitas mais razoáveis que há por aí na Europa, mas isto não deixa de ser um problema. No actual cenário eleitoral, não se podendo contar com a lista de Beppe Grillo (como de facto não se pode) seria necessário que o maior partido da oposição (neste caso de direita) fosse alguém com quem é possível haver compromissos, com Berlusconi não é. Berlusconi é um populista que defenderá o que for preciso para ser popular e ganhar eleições e isso pode ser um problema para a estabilidade política Italiana e para a Europa. Agora isso mostra-nos uma coisa, Berlusconi faz isto à primeira oportunidade porque não tem verdadeiras convicções que não seja a convicção de que ele quer ter poder mas, mais cedo ou mais tarde, qualquer partido que não desejar implodir e que enfrente eleições terá de defender, pelo menos, um aliviar das políticas de austeridade.
Outra diferença em relação ao caso Grego, que não sendo exclusiva da Itália ainda não teve noutro lugar tanta expressão, é o facto de o lugar de partido anti-sistema ser ocupado pelo movimento de Beppe Grillo e não por partidos situados nos extremos do espectro político (ou não assim tão nos extremos, mas com essa conotação, como no caso do SYRIZA). Isto, parecendo que não, é significativamente melhor do que viver sob a ameaça de uma qualquer Aurora Dourada. É certo que este tipo de movimentos apresenta também perigos, no seu discurso anti-partidos e na fraca consistência das suas propostas (quando esta existe de todo), mas é reconfortante perceber que o que as pessoas procuram é de facto um voto de protesto e uma censura à forma actual de fazer política. Quando elas se refugiam em perigosos, e oportunistas, movimentos de extrema-direita (ou de extrema-esquerda, onde os houver) fazem-no apenas porque as restantes opções de protesto estão esgotadas. Agora resta-nos saber qual será a prestação destes partidos anti-partidos (irónico, não?), se irão estar à altura da importância que os eleitores lhes derem e, caso não estejam, qual será a reacção das pessoas perante essa desilusão.
Aquilo que os ‘Troikos’ parecem ainda não ter percebido, dado o que temos assistido nos últimos meses e tudo o que estas eleições Italianas parecem confirmar, é que a austeridade, por onde quer que passa, destrói todas as condições para a sua continuidade. Pela profunda injustiça na repartição dos sacrifícios, pela irracionalidade, não só dos objectivos, como mesmo das propostas e pela profunda falta de esperança e de desígnio a austeridade corrói as sociedades e gera um justificado descontentamento. Mas a questão é pior do que simplesmente impedir a reeleição das maiorias que aplicam este programa neoliberal. Nos últimos dois anos já caíram dois governos que tinham condições de governabilidade que foram destruídas. Não só as maiorias que impõem esta solução têm dificuldades em serem reeleitas (mesmo nos casos em que antes representavam 70% dos votos, como na Grécia) como a deterioração do clima social e político é de tal ordem que governos aparentemente duráveis não o são. E este facto, parecendo que não, muda tudo!