Ainda sobre as eleições Italianas, e continuando o raciocínio começado no post anterior, não se pode deixar de olhar para as reacções dos ‘mercados’ e tentar percebê-las, uma vez que, caso já nos tenhamos colectivamente esquecido, tudo isto começou por dificuldades de financiamento a juros razoáveis nos ditos (não, isto não começou com o défice, isso foi a razão que nos apontaram para não nos conseguirmos financiar, não foi o problema em si).
Como era esperado, a primeira reacção dos mercados foi claramente negativa, com subidas generalizadas dos juros da dívida pública. Felizmente esta situação inverteu-se rapidamente, não sem antes obrigar a Itália a financiar-se a juros mais elevados do que tinha feito anteriormente, com as ‘reconfortantes’ declarações dos responsáveis europeus de que, independentemente das opiniões dos eleitores, a austeridade é para manter e o BCE continuará a fazer tudo o que for necessário para impedir novos resgates. Para aqueles que ainda não tenham percebido espero que se torne agora claro que a capacidade dos países do ‘sul’ se financiarem depende fundamentalmente daquilo que a Europa disser e o BCE se dispuser a fazer e não do que quer que esteja a ser feito em cada um dos países. Se assim não fosse, sem governo nem perspectivas de estabilidade política, haveria poucas razões para os investidores manterem as condições de financiamento da dívida pública Italiana até haver uma clarificação.
No entanto é assumido por todos que o empenho europeu, e as garantias do BCE, apenas se irão manter se continuarem a ser cumpridas as condições exigidas, nomeadamente a austeridade. Acontece que a austeridade contém, em si mesma, as sementes da sua própria destruição (tão marxistas que estamos). Já era razoavelmente óbvio, para todos quantos tenham meio dedo de testa, que a austeridade, como forma de corrigir desequilíbrios orçamentais em contexto de contracção económica, se derrota a si própria pela destruição da economia interna. Agora torna-se também relativamente evidente que ela destrói as condições de estabilidade política mínimas para o funcionamento normal de um país, pelo menos nos moldes que conhecemos desde a Segunda Grande Guerra.
Não se trata só da destruição do consenso social e político sobre o nosso modelo de Estado, nem sequer da profunda alteração da correlação de forças entre as várias forças políticas. Trata-se de o actual contexto estar a criar as condições para a subida ao poder, ou pelo menos a conquista de uma importante influência política, de grupos que, mesmo em circunstâncias normais, iriam provocar receios nos mercados financeiros e possivelmente restrições de financiamento. Ou seja, a austeridade em nome da confiança dos mercados cria exactamente as circunstâncias políticas que afectam seriamente essa confiança. Isto a acrescentar à significativa deterioração da nossa capacidade objectiva de pagar a dívida devido à hecatombe económica que estamos a viver.
Não será possível, pelos menos em contextos de normalidade democrática, a manutenção deste estado de coisas por muito tempo. A única forma razoável de sair desta situação passa, como já há muito é defendido, por uma solução europeia. Só uma alteração a nível Europeu, que coloque a prioridade na superação dos problemas económicos e no fim da austeridade, pode evitar uma espiral que não será só de recessão económica, mas também de desordem social e política.
Infelizmente o próximo orçamento europeu é a pior notícia que poderíamos ter. Quando é fundamental responder ao maior desafio que a Europa já enfrentou é reduzido, pela primeira vez, o orçamento comunitário. Resta-nos esperar que a Europa consiga, in extremis como sempre desde o início desta crise, inverter as suas posições e fazer aquilo que disse sempre que não faria, em nome da manutenção do projecto Europeu. Se isso não acontecer temo bem que a austeridade se destrua a si própria e, de caminho, nos destrua a nós e aos nossos Direitos, Liberdades e Garantias.