Uma semana bastou para se perceber como se mobiliza um povo. Um Governo que aceitou governar em tempos de exigência, competência e especial sensibilidade, consegue desbaratar num ano a legitimidade política em sucessivos erros, omissões, polémicas com os seus membros, perder-se nas promessas políticas que encantam um povo cansado, contudo sereno e contido, sábio que é e está no poder da sua acção e do seu papel nestes tempos de indigência, e em três actos públicos, próximos no tempo, esgotar a paciência do povo que governam, e destruir a legitimidade que lhes resta.
Nos três actos um dado comum. Obstinado na cruzada ideológica neolibeiral, o Governo apresenta como medida regeneradora a aplicação da descida da Taxa Social Única (TSU), descida essa a ser paga pelo trabalhador. Perante tal fundamentalismo ideológico e descarado experiencialismo social, um incomum consenso social se constrói, tal é a evidência de um desastre a evitar.
Eis que uma manifestação já agendada, com o intuito de demonstrar o descontentamento quanto ao futuro previsível, ao status quo europeu instalado e distante, e à injustiça que se agrava e aprofunda, surge agora como farol de um descontentamento mais amplo, alargado e consciente das mesmas causas e consequências, implacável com o experiencialismo social e ciente que “há limites e nem tudo é legítimo”.
Acorda, não tenhas medo. Não estás só. No difícil e sensível jogo da Democracia, o momento da Rua é este. Recorrendo às palavras de Hélia Correia: “De que armas disporemos, senão destas” (*).
* Correia, Hélia – «A Terceira Miséria». Lisboa: Relógio d’Água, 2012. p. 39.
Nota: Foto de Eduardo Gageiro, 1 de Maio de 1974.