Sexta-feira, 30 de Novembro de 2012

     A nosso convite, o jornalista e escritor Fernando Madaíl, autor da biografia do Dr. Fernando Valle "O Aristocrata da Esquerda", escreve-nos sobre os 8 anos do desaparecimento do republicano de Arganil. 

 

     “Faz cá muita falta"

     “O Torga faz cá muita falta”, costumava repetir aquele vulto de boina negra e de sorriso aberto. Não bastava a jovialidade e a hospitalidade de um autêntico “aristocrata da Esquerda”, como lhe chamei em tempos, para se lembrar neste blogue a passagem do aniversário da morte dessa “humanidade rica e singular”, como tão bem o descreveu o seu amigo Miguel Torga.
     O centenário Fernando Valle com quem conversei era, espantosamente, jovem de espírito, mais atento e curioso que a maioria dos seus camaradas de partido, dos seus companheiros de petiscos, dos seus conterrâneos cuja fibra sempre enalteceu. Em vez do político tão discreto como fundamental em tantos momentos da nossa História, do médico generoso que deixou fama na sua Beira, prefiro evocar antes uma figura que tanto citava de cor Gabriela Mistral como nunca se cansava de admirar a paisagem serrana, o homem firme nos princípios e tolerante com os adversários, o corajoso lutador num tempo em que o medo até fechava persianas ao passar na rua um funeral de oposicionista.
     O seu exemplo cívico, a sua coerência política, a sua crença na liberdade, o seu eterno inconformismo com as injustiças do Mundo mereceriam, neste tempo que essa figura tão singular teve a sorte de não viver, a sua análise inteligente e profunda, o seu veemente repúdio, a sua grandeza de horizontes, a sua inabalável esperança num melhor futuro. Afinal, “Fernando Valle faz cá muita falta”.´

 

Fernando Madaíl

 

 



publicado por quandooslobosuivam às 18:59 | link do post | comentar

Quinta-feira, 29 de Novembro de 2012

Antigamente, quando as cidades estavam sediadas por exércitos inimigos e, na iminência de uma derrota e consequente destruição, declaravam (por amor ou cobardia, ninguém sabe bem) as cidades 'cidades abertas'. Foi assim em Paris em 1941 ou Roma em 1944. Ontem, na entrevista do senhor primeiro-ministro (somos um povo de respeito e o respeitinho é uma coisa muito bonita), ficamos com a perfeita noção de ter-se tornado Portugal num país aberto. Aberto para a fuga da juventude, aberto para a entrada dos especuladores e dos vampiros. Mas o país continua a saque e temos várias gerações em marcha, sobretudo as que ainda tem força para continuar ou começar noutro lado. Todos os dias sabemos de alguém que não consegue mais e é difícil permanecer sereno e tranquilo, confiante e esperançoso.

 

Hoje, um conjunto de setenta e oito pessoas assinaram um manifesto onde pedem a demissão do senhor primeiro-ministro (somos um povo de respeito e o respeitinho é uma coisa muito bonita). Noutros tempos, disse Afonso Costa em 1907 nas Cortes que, por muito menos do que D. Carlos tinha feito rolou a cabeça de Luis XVI no cadafalso. Não era verdade, mas foi muito bem dito. É sempre uma questão de paciência e, como perguntava Cícero a Catilina: até quando enfim, oh Passos Coelho, continuarás a abusar da nossa?

 

Isto já não é um país, é uma vila franca!



publicado por José António Borges às 18:51 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Regresso sempre a Sophia de Mello Breyner, não sei porquê. Aliás, sei bem porquê. É que, além das palavras eleitas, as mais bem escolhidas, a sua voz de poeta concede a essas mesmas palavras o significado e a nobreza da sua alma profunda, sua e das palavras. É a voz digna do observador, que lê nos olhos do semelhante a condição e os acontecimentos, e a leva à acção, e que tantas vezes agiu lendo as palavras e a expressão dos olhos do seu povo.

 

Não conheço as leituras do Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho. Provavelmente serão leituras económicas economizadas, dos mestres dessas ciências maiores. Não terá tempo para mais, absorvido que está no seu ofício. Ou poderá dizer-se que outras leituras mais prosaicas enfraquecerão o espírito, tão determinado em obedecer às vontades.

 

Se me fosse permitido, sugeria ao Senhor Primeiro-Ministro, a leitura de um poema relativamente curto, a ser lido pesando com gravidade e se possível sentindo o significado de cada palavra, e sentindo sinta a dor de uma pedra arremessada ou de um grito - expressões de inaceitável violência -, para que de imediato ou com tempo, compreenda melhor a realidade, e viva um pouco acima das suas possibilidades:

 

Esta gente cujo rosto

ás vezes luminoso

E outras vezes tosco

 

Ora me lembra escravos

Ora me lembra reis

 

Faz renascer meu gosto

De luta e de combate

Contra o abutre e a cobra

O porco e o milhafre

 

Pois gente que tem

O rosto desenhado

Por paciência e fome

É gente em quem

Um país ocupado

Escreve o seu nome

 

E em frente desta gente

Ignorada e pisada

Como a pedra do chão

E mais do que a pedra

Humilhada e calcada

 

Meu canto se renova

 

E recomeço a busca

De um país liberto

De uma vida limpa

De um tempo justo

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Geografia (1967).

 

Foto de Eduardo Gageiro.


publicado por Gabriel Carvalho às 16:26 | link do post | comentar

Sábado, 17 de Novembro de 2012

            Resisti durante algum tempo a aceitar o convite destes meus Camaradas para fazer parte desta alcateia por achar que não tenho tanto assim a acrescentar à discussão blogosférica que se faz actualmente. Sigo regularmente alguns blogues de Esquerda (sendo os que sigo com maior regularidade: o Arrastão, o Banco Corrido, o Jugular, o Esquerda republicana, o ladrões de Bicicletas, o The Conscience of a Liberal e o Aurora do Porto) que, em traços gerais, reflectem a minha visão sobre a Sociedade.
            No entanto, e como brilhantemente escreveu o Pedro Delgado Alves a propósito da manifestação de 15 de Setembro, “Estes não são dias como os outros. Não são dias de ficar em casa, não são dias de deixar na mão dos outros a construção do futuro, não são dias para privar a República das nossas vozes”, hoje todos temos a obrigação de dar o nosso contributo para o aprofundar das discussões que são fundamentais para o nosso futuro. A minha participação neste blog será, assim, uma das faces do contributo que entendo ser minha obrigação dar.

 

            Posto isto, devo dizer que pesaram também na minha decisão de embarcar nesta ‘aventura’ alguns acontecimentos recentes, nomeadamente os incidentes que ocorreram junto à Assembleia da República na última Greve Geral. É sobre esses acontecimentos que escrevo este meu primeiro texto e faço-o porque tudo nestes acontecimentos foi absolutamente lamentável, começando pela atitude dos manifestantes (os das pedras não a maioria, pacífica, dos manifestantes) e acabando nas reacções das autoridades, passando obviamente pelas atitudes das forças de segurança.

 

            Primeiro de tudo deixem-se salientar aquela que é, tenho noção, a opinião mais controversa que exponho neste texto. Tenho ouvido e lido muitos comentários afirmando que a violência é inaceitável, que o recurso à violência é a arma de quem não tem razão (ou que o uso da violência retira essa mesma razão) e outros chavões do tipo; não sobre este caso em concreto mas em abstracto e para todas as situações (não ouvi, maioritariamente, dizer que neste caso a violência é inaceitável, ouvi dizer que a violência é inaceitável). Discordo completamente, e acho uma profunda hipocrisia, que se afirme que em qualquer circunstância a violência é sempre errada e retira razão a quem a usa (não comecem já a berrar mentalmente comigo, leiam até ao fim).

            A violência é justificável, ou não, consoante as circunstâncias. Todos nós, de uma forma ou outra, nos revemos em algumas atitudes violentas, muitas até da parte de grupos sem legitimidade legal para usarem a violência (sendo que os únicos que a têm são as forças de segurança e as forças armadas). Quem se revê na Revolução Francesa, na Revolução Americana, nas Guerras Liberais, na Revolução Republicana (e no Regicídio) e até no 25 de Abril, que sendo um excelente exemplo de uma revolução não violenta tinha todo o potencial para ser violento, revê-se de alguma forma em atitudes violentas, frequentemente contra o poder instituído, e não pode, portanto, afirmar que a violência dos Cidadãos é sempre, em todas as situações, errada.

            A violência contra as autoridades é legítima quando ela é uma insurreição ou revolta contra um poder opressor (seja qual for a forma de opressão) ou ele próprio violento e quando tem o propósito, não de ser gratuita, mas de derrubar um regime opressor (ou de se revoltar contra ele até que recue), este manifestamente não era um desses casos.

            Assim, ainda que os desacatos que ocorreram, estes em específico sublinho, sejam completamente inaceitáveis, isso não nos pode permitir afirmar que os Cidadãos não têm o direito de se revoltarem violentamente contra um regime que seja opressor, está demonstrado pelo menos desde Hobbes e Locke que têm.  Afirmar semelhante coisa é retirar legitimidade, por exemplo, a todos aqueles que no passado recente derrubaram ditaduras, frequentemente com violência, na chamada Primavera Árabe (e na altura aplaudidos pela maioria dos que agora dizem ser inaceitável qualquer tipo de violência).

            Na minha opinião nada disso, felizmente, é justificável em Portugal, não porque não estejamos perante um poder político completamente fanático e opressor do seu povo (pelo menos num sentido económico), que estamos, mas principalmente porque ainda existem formas pacíficas de se provocar uma mudança na nossa sociedade. A violência não deve ser a primeira arma de uma população ansiosa de mudança, ela deve ser o último recurso quando todas as outras vias estão esgotadas.

 

            Quanto ao caso concreto, como já devem ter percebido, entendo obviamente que estas agressões gratuitas aos polícias que estavam a assegurar a segurança da Assembleia da República são completamente erradas e inaceitáveis a vários níveis. Desde já porque não consigo sequer compreender como é que alguém com sanidade mental se dispõe a estar hora e meia a atirar pedras a pessoas que se limitam a ficar lá quietos a levar com elas. Depois pela razão óbvia de que estão a falhar completamente o alvo, os polícias não são o rosto do regime, o braço do regime ou parte alguma do corpo do regime, eles são trabalhadores como todos os outros que têm de cumprir a sua função, sob pena de serem despedidos, coisa que, convenhamos, é pouco conveniente para quem quer que seja nesta altura do campeonato.

Acresce a tudo isto que acho que a violência é, do ponto de vista estratégico, um absoluto erro para quem pretende o derrube deste governo e desta política, como é o meu caso, ela apenas serve para legitimar, quer um endurecer das medidas de segurança, quer eventuais limitações de direitos, o que é exactamente a pior coisa que nos pode acontecer neste momento. Ao mesmo tempo a violência serve de pretexto para o Governo eclipsar completamente do panorama mediático a legítima e pacífica contestação de que tem sido alvo.

 

            Agora, é igualmente inaceitável que se utilize a violência praticada por um grupo de manifestantes para justificar uma utilização claramente excessiva de força por parte do Estado. E sim, a actuação da PSP neste caso foi absolutamente excessiva e despropositada. Não é compreensível que os polícias tenham estado tanto tempo a assistir (e a sofrer na pele) a estes actos de violência, bem como a crimes contra o património, sem nada fazerem e que depois carreguem indiscriminadamente sobre uma massa de pessoas que, na sua maioria não tinham feito nada de errado. Não é aceitável que se use o argumento de que quem lá estava sabia que se arriscava a isto porque os Cidadãos da República ainda têm o direito de se deslocarem livremente pelo espaço público nacional e a função da PSP é assegurar a sua segurança em todas as circunstâncias e não só quando é conveniente, havia outras tácticas, essas sim efectivamente selectivas, que poderiam ter sido usadas e não foram.

            É também claro como a água que toda a responsabilidade pelas atitudes da PSP é da hierarquia da polícia e do poder político porque não são os agentes que decidem qual é a acção a desenvolver, eles cumprem as ordens que lhes são transmitidas. É condenável, ainda assim, que os agentes não tenham tido o discernimento de tentarem perceber quais eram as pessoas contra quem deviam agir em vez de fazerem um uso indiscriminado da força, e o argumento de que eles já não estariam num perfeito estado de espírito depois das agressões que sofreram é irrelevante, porque isso não é culpa dos manifestantes pacíficos mas sim da hierarquia da polícia que optou por essa estratégia.

            Toda a acção da PSP foi completamente desadequada pelo que já não causou grande espanto que depois do triste espectáculo em frente ao Parlamento se tenha decidido transformar uma zona considerável da cidade de Lisboa num palco de perseguições por parte da polícia e vandalismo por parte dos elementos violentos presentes na manifestação, culminando na detenção de pessoas a mais de 1 km de distância da Assembleia da República, sem a certeza de os detidos terem estado sequer na manifestação em causa. Tudo isto é absolutamente lamentável e devia ter sido evitado por todos os meios.

 

            É nesta fase que surgem os factos que mais preocupação nos devem suscitar, factos esses que não podem ser imputados aos agentes, independentemente da culpa que possam ter, porque foram legitimados (e eventualmente até ordenados) pela hierarquia da PSP. É absolutamente inaceitável num Estado de Direito que as liberdades fundamentais, e constitucionais, sejam ignoradas pelas forças de segurança. Não podemos de forma alguma aceitar que haja detidos a quem seja negado o acesso a um advogado, para já não falar das suposições sobre agressões que possam ter ocorrido nas esquadras.

            Os factos que nos chegam sobre estas ‘detenções’ chegam para fazer qualquer pessoa consciente temer, quanto mais não seja, pela sua própria segurança. A função principal do Estado, a primeira de todas, é assegurar a segurança dos Cidadãos contra as arbitrariedades de um ‘estado natural’ em que todos temem pela sua segurança, esse é o fundamento primeiro da existência de estados e é isso que justifica o monopólio público do uso da força, sendo isso também que torna toda a violência exercida pelo estado mais odiosa, por natureza, do que aquela que for exercida à margem da lei. No dia em que o Estado impunemente viola esse papel não só todos temos a temer como, filosoficamente, passamos a ter o direito de nos defendermos, violentamente se for caso disso, contra tudo e todos, incluindo os agentes da autoridade.

            A coisa mais assustadora de todos estes acontecimentos é que o Governo da República hoje sabe que pode impunemente suspender as liberdades constitucionais a uma parte dos Cidadãos da República sem que haja críticas de monta a esse facto. Isto acontece, lembremo-nos, com um Governo que já deliberadamente ignorou a Constituição, ou tentou contorná-la, outras vezes.

Ao fim de 48 anos de Democracia já é altura de nos consciencializarmos que isto não pode acontecer, nas palavras sempre sábias de Benjamin Franklin: "Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança".

 

            E é exactamente no que toca às reacções a estes acontecimentos que nós atingimos o ponto mais surreal de toda a telenovela. Por um lado o Ministro da Administração Interna aparece a dar cobertura a tudo o que se passou como se de uma comum actuação da PSP se tratasse, mas ao menos ele deu-se ao trabalho de tentar esconder a situação, ao contrário de um senhor (que imagino seja do Comando Metropolitano de Lisboa) que apareceu na televisão a gozar descaradamente com a cara dos Portugueses, já com a certeza que ninguém se importaria com o sucedido, e a falar de uma actuação proporcional e selectiva, como se não estivesse a falar de uma carga indiscriminada sobre cinco ou dez vezes mais pessoas do que as que causaram desacatos. O dia seguinte traz-nos declarações de todos os líderes políticos do arco do poder a achar tudo isto naturalíssimo, que culminam em declarações do Presidente da República Portuguesa que parece ter confundido o seu título com o de Presidente do Conselho ao dizer "Não se tente inventar argumentos. São pessoas apostadas na destruição, apostadas na violência, que querem destruir a sociedade e por isso a polícia não pode deixar de ter todo o apoio dos portugueses para enfrentar atitudes como esta que visam destruir a riqueza do nosso país e em particular visam destruir a força humana que existe no nosso país". Este discurso do inimigo interno nunca foi propriamente prenúncio de nada de positivo.

            Não fossem as declarações dos advogados dos acusados e de responsáveis da Ordem dos Advogados, com o seu Bastonário Marinho Pinto a ser, mais uma vez, a única pessoa com responsabilidades preocupada com o Estado de Direito em Portugal, e não teria havido ninguém com relevo a afirmar-se contra todos estes atropelos.

 

            Entretanto o texto já vai longo e o mais importante já está escrito, por isso, apenas me resta repetir o que já disse noutro sítio:

Quem acha que aquilo que está a acontecer nas manifestações são apenas 'comportamentos inaceitáveis de um bando de rufias' e não consequências óbvias da situação do país é tonto…

Quem acha que a polícia é mais culpada do que aconteceu do que um rottweiler que, sendo treinado para atacar, é atiçado contra alguém é idiota…

No fundo, quem não perceber que polícias e manifestantes são ambos peões instrumentalizados no meio disto tudo não está bem a ver o filme...



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 15:05 | link do post | comentar

Terça-feira, 13 de Novembro de 2012

No seu texto, 'Paris sob a ocupação', publicado em 1945 na France Libre, Sartre enunciava, a propósito dos anos antecedentes, um fatalista 'nós fomos vivendo'. E prossegue, explicando que esse viver era acompanhado de um horror que nunca abandonava os franceses. Que existia, ali, a todo o tempo, em todas as coisas, como um manto a cobrir todos os pedaços do quotidiano, mesmo quando uma abstracção como um livro ou uma rara gargalhada davam a impressão de uma outra vida

 

A crise económica em que vivemos é como esse horror de uma ocupação a todo o tempo pelos soldados alemães. Não que sintamos ser agora um exército de matérias economicistas germanófilas a destruir-nos a vida, embora esse paralelismo possa ser feito por muitas pessoas e ainda que não seja tão despropositado de razão assim, ainda que todos saibamos que o capital é internacional e internacionalista. Porque somos jovens e crescemos e existimos sob a égide de uma crise que cerceia as nossas vidas, 'sentimos que nos roubaram o futuro, sentimos o destino a fugir-nos'. Por incrível que pareça, viver sob ocupação de algo que nos é exterior, como uma imposição quotidiana totalitária (a crise sem fim à vista) é situação comum a muitas épocas da nossa História colectiva de Europeus e Cidadãos do Mundo. Acontece que a realidade como História é distante o suficiente para impedir uma apropriação devida dos sentimentos dos outros. É bom que seja assim, mas também é por isso que não devemos aceitar que as humanidades não humanizem e que a compreensão das coisas, sem a sua experiência, não deva ser suficiente para criar em nós conceitos e princípios de justiça e solidariedade.

 

'Porque um homem vivo é antes de tudo um projecto, um empreendimento. Mas a ocupação retirou aos homens o seu futuro.' Alguns franceses juntaram-se à resistência. Hoje, como então, a batalha (e a linguagem não pode nunca ser usada como metáfora sob pena de impedir a compreensão do mundo) será ganha ou perdida independentemente da resistência individual. As forças aliadas teriam vencido ou perdido na mesma com ou sem o apoio da resistência, embora ela possa ter adiantado alguns processos de libertação pontuais. As decisões importantes jogam-se a outro nível e é aí que temos que depositar tanta esperança quanto trabalho. O voto continuará a ser sempre uma arma de resistência pacífica, contra a existência daqueles que, no entender de cada um, usam a sua acção para atrasar ou impedir os empreendimentos da nossa vida. E ainda que tudo isto seja pouco, é-o já muito simbolicamente, pois resistir, seja de que modo for, representa sempre um inconformismo que utilizamos contra as agruras da vida. Mas também é assim para os colaboracionistas do nosso regime. Mesmo para eles a colaboração é uma maneira e um esforço para dar um futuro a Portugal. Acontece que discordamos profundamente deles. Acontece que eles ter-se-ão tornado, entretanto, inimigos do povo, fazendo parte, portanto, dos corpos materiais ligados ao poder ocupante que terá de ser afastado do poder.

 

'Nunca fomos tão livres como sob a ocupação alemã'. É assim que sucede hoje, embora o medo limite a nossa compreensão das coisas. É assim desde, pelo menos, Marx e Engels, quando enunciaram que o proletariado só teria, unindo-se, as suas cadeias a perder e um mundo a ganhar. Mas afinal que força ou poder ocupante é este? Contra o quê ou contra quem deveremos, afinal, unirmo-nos? Acaso os nossos ocupantes ou aquilo que ocupa as nossas vidas terá rosto em torno do qual possamos constituir um cerco? Contra quem ou quê gritaremos que não passarão? Sendo a crise uma abstracção com consequências reais tanto materiais como imateriais, fica claro que temos de jogar no plano das ideias, que temos de exercer a força e a influência no plano legislativo, elegendo representantes (ou fazendo-nos eleger como representantes) que lutem, sem medo, contra a corrupção, por uma administração responsável e responsabilizante dos bens públicos, pela não negociação com países governados por tiranos, pela defesa tanto aqui como em qualquer outra parte do mundo dos Direitos Humanos, que se dediquem ao combate pelo fim da evasão fiscal, pela regulamentação e taxação absoluta dos mercados financeiros e das grandes fortunas de acordo com um justo princípio de proporcionalidade, pelo fim dos offshores (os nossos e os dos outros), pela isolação da Suiça e da sua divisa, pelo fim da promiscuidade entre poder político e poder económico e a subjugação do segundo ao primeiro. Outros, melhores do que eu, saberão escrever os artigos e criar os mecanismos.

 

Podem tentar convencer-me que estas ideias prejudicam a economia e o país, mas esta é a minha forma de resistência: fazer política, todos os dias, na prossecução das minhas ideias. Fazer política é ser Homem na Cidade, é ser par na comunidade. Ninguém pode abstrair-se de fazer política julgando que só é credor da sociedade. A rua será sempre um lugar de protesto. Mesmo as revoluções só se concretizaram quando se tomaram as instituições. A democracia, boa ou má, permite-nos que as tomemos com total legitimidade. Acreditando nisto, é a partir daqui que dirijo a minha acção.



publicado por José António Borges às 13:51 | link do post | comentar

Sexta-feira, 9 de Novembro de 2012

«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.

(…)

É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.

E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.

Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.

Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.

Não é o desejo do amor que os une. O que os une e justamente uma vontade sem amor.

E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.»

 

O retrato é de Mónica, um dos exemplos feitos contos, de Sophia de Mello Breyner Andresen, e pode bem ser o retrato de alguns indivíduos, que do seu tão profundo e expressivo sentimento, visível na linguagem do corpo, se mostram entre amigos tão solícitos na organização de uma bela quermesse - a fina imagem que aos olhos torna igualmente bela a miséria.

 

Foto: Margaret Bourke-White, Louisville, 1937.


publicado por Gabriel Carvalho às 15:05 | link do post | comentar

Segunda-feira, 5 de Novembro de 2012

     Tive o prazer de ouvir há alguns dias atrás na Biblioteca de Serralves, no Porto, o ex-Presidente da República Jorge Sampaio. Não sendo esta uma nota bibliográfica, é apenas minha intenção sublinhar algumas partes da conversa.

     O momento prolongou-se por duas horas nada cansativas. Foi interessante compreender todo um percurso de vida baseado numa educação muito singular, num sacrifício familiar inacreditável e numa postura ética política e profissional notável que, infelizmente, escasseia. A narrativa deste homem é, certamente, um exemplo para todos e aconselho a leitura da biografia do próprio. Contudo, não é a humanidade de Jorge Sampaio que pretendo exaltar. Muitas vezes somos mais pequenos que o nosso discurso e, naturalmente, não reza este texto sobre um homem sem mácula. Antes pretendo sublinhar o que o mesmo afirmou sobre o Orçamento Geral do Estado para 2013. "A Contituição da República Portuguesa como o garante de um consenso mínimo que permitiu, nas últimas décadas, a unidade do país e a manutenção de um contrato social universal", referiu. Na avaliação da proposta deste Orçamento confiscatório, Sampaio concluiu afirmando que "não podem ultrapassados os limites da dignidade". Na ausência de um Presidente da República que actue, são estas as palavras que me completam perante o abismo anunciado pelo Governo. Não estamos separados da Grécia por um ano, estamos à distância de um dia. Quem nos governa esqueceu a presidência da República e esta faz-se esquecer na assunção de responsabilidades. Cavaco Silva abdicou da bigorna com que moldou o juramento de defesa da Constituição e, perante a sua imobilidade e imoralidade, faz cada vez mais sentido ter saudades de Jorge Sampaio.

 



publicado por Rui Moreira às 19:15 | link do post | comentar

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