Sexta-feira, 28 de Dezembro de 2012

“Regressados de uma viagem à Argentina e Bolívia, os meus cunhados María e Javier trazem-me o jornal Clarín de 30 de Agosto. Aí vem a notícia de que vai ser apresentada ao Parlamento peruano uma nova lei de turismo que contempla a possibilidade de entregar a exploração de zonas arqueológicas importantes, como Machu Picchu e a cidadela pré-incaica de Chan-Chan, a empresas privadas, mediante concurso internacional. Clarín chama a isto «la loca carrera privatista de Fujimori». O autor da proposta de lei é um tal Ricardo Marcenaro, presidente da Comissão de Turismo e telecomunicações e Infra-Estrutura do Congresso peruano, que alega o seguinte, sem precisar da tradução: «En vista de que el Estado no ha administrado bien nuestras zonas arqueológicas – qué pasaría si las otorgaramos a empresas especializadas en otros países com gran efectividad ?» A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sixtina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz de Antonio da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a Cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. (…)”

 

Será novidade para alguns, poucos certamente, este texto de José Saramago, datado de 1 de Setembro de 1995, dos «Cadernos de Lanzarote – Diários III», e tornou-se, portanto, tão banal quanto a forma como nos são apresentadas as privatizações, cheias de benefícios e virtuosidades. Até se vão conhecendo planos de restruturação de determinadas empresas, para pouco depois vender, já em situação financeira equilibrada. Resta sempre saber a quem interessam. A título exemplificativo, veja-se a privatização da YPF, na Argentina em 1999, sob a presidência de Carlos Menem. Mas…

 

“(…)Aí se encontra a salvação do mundo… E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.”



publicado por Gabriel Carvalho às 00:19 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2012

E terminou o programa Câmara Clara, de forma tão desarmante. Após quase sete anos de emissões (2006-2012) de permanente divulgação, promoção e debate de ideias, conhecimento e actividades artísticas, num formato de conversa livre e livre pensamento, que trouxe para fora do ecrã esse debate entre os cidadãos, num espaço tão comum como é uma mesa de café, num tempo em que a existência de algo é definida no mesmo ecrã de onde surge o Câmara Clara, e um conjunto infindável de programas inúteis uns, estupidificantes outros, de fim embrutecedor muitos.

 

De “A Câmara Clara” de Roland Barthes, surgiu a ideia do formato do programa, e como numa fotografia, num fotograma, no qual atentamente tentamos identificar os personagens e os objectos, interpretando o que estará a acontecer, o que estará o personagem a pensar, uma fotografia ou um fotograma, contêm muito do que não é expresso ou visível. Cada edição do programa era assim. Talvez tenha sido isso o que a todos nos quiseram subtrair.

 

Contudo, e como oportunamente no final nos lembrou Paula Moura Pinheiro, a apresentadora do programa, este termina mas a literatura continua. Contínua, continua a criação e a recriação, e continuam os artistas, e as suas formas de contornar os obstáculos dos regimes e dos seus mentores, assim como continuam os pensamentos por mais livros e obras que os tiranos queimem ou destruam, permanecendo as interrogações.

 

«Nem sei perseverar assim, nem que fazer entretanto,

Nem que dizer, pois para que servem poetas em

                                                                 tempos de indigência?»

 

Friedrich Hölderlin,  "O Pão e o Vinho

 

«Para que servem poetas 
em tempos de penúria?

Para que servem poetas?

Para que servem 
tempos de penúria?

Para que servem?

Para que servis?

Para que servem servos?»

 

Adília Lopes

 

«Para quê, perguntou ele, para que servem

Os poetas em tempos de indigência?

Dois séculos corridos sobre a hora

Em que foi escrita esta meia linha,

Não a hora do anjo, não: a hora

Em que o luar, no monte emudecido,

Fulgurou tão desesperadamente

Que uma antiga substância, essa beleza

Que podia tocar-se num recesso

Da poeirenta estrada, no terror

Das cadelas nocturnas, na contínua

Perturbação, morada da alegria.»

 

Hélia Correia, "A Terceira Miséria".

 

O espaço antes ocupado está agora vazio, ou então o que o ocupa não é palpável, nem pode ser capturado por duas mãos, por mais força que tenham.

 



publicado por Gabriel Carvalho às 02:09 | link do post | comentar

Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012

Desde ontem, e de quatro em quatro semanas, um post do Quando os Lobos Uivam integrará o "Espaço Blogue" do Jornal de Amarante.

Um uivo é um uivo, seja qual for o formato.

 



publicado por Gabriel Carvalho às 19:23 | link do post | comentar

Terça-feira, 11 de Dezembro de 2012

     Digno das melhores referências em matéria de independência, Cavaco Silva propõe aos portugueses estudar profundamente o Orçamento Geral do Estado para o ano de 2013. Os anunciados "profundos estudos jurídicos" de que se vai munir, revelam-nos que as suas convicções ficarão enterradas (para quem ainda acreditar que Aníbal tem convicções sociais acima dos seus interesses corporativos).

     A moralidade de Cavaco Silva nunca foi muita e, no final deste processo, será mesmo nula. Resta-nos esperar que o Tribunal Constitucional se substitua à condicionada presunção de inocência de Cavaco relativamente a este Governo. Se, ainda assim, a superior magistratura da Nação decidir abdicar dos seus deveres de cumprimento da lei constitucional, o que devemos esperar do providencialismo institucional da nossa Democracia? Muito pouco. Talvez nada. E pergunto-me então: qual será o papel das Forças Armadas perante o regular funcionamento desta política orçamental?



publicado por Rui Moreira às 20:53 | link do post | comentar

Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2012

 

Venho por este meio demonstrar a minha inquietação. Não só pela perfídia classe governante deste país, não só pela crise e não só pelo futuro que ao povo pertence se desejar pelo menos tê-lo. Transtorna-me o vácuo e os patrões do situacionismo que, ora sofrem de partidite aguda, ora entopem o agendamento mediático com fait-divers e, porque não, com mediocridade. Em momentos excepcionais da dialéctica intrínseca dos povos impõe-se ardor e crítica do espírito do tempo. Um mínimo de bom-senso é suficiente para percebê-lo. Custa-me ver que certos interlocutores com visibilidade mediática quanto baste façam do seu uso um desperdício de tempo para nós, cidadãos e cidadãs.

 

No dia de ontem tive acesso a um pedaço de incomensurável demagogia, a degeneração da democracia categorizada por Aristóteles. Ele sabia bem o que escrevia ao contrário do(s) autor(es) da resposta à Carta Aberta que pede, e bem, a demissão do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Este documento é fruto do matrimónio entre falácias e sofismas.

 

A resposta da Juventude Social-Democrata transparece a amargura de quem se sente traída e abandonada em pleno altar. Após convite para a sua Universidade de Verão e tendo em conta o seu passado de governação em sinergia com o FMI, como se atreve o Dr. Mário Soares a pedir a demissão do seu querido e fanático líder de Governo? Eles perguntam-se como é que o seu plano não funcionou. Como é que não conseguiram colar a intervenção de 1983 a esta e obrigar o PS assumir também todas as medidas estúpidas deste Governo? O transtorno é tal que se sentem na obrigação de citar o Rei de Espanha num dos episódios mais tristes da Casa Real Espanhola: «porque não te calas?». Uma citação ao nível do que ainda viria a ler: putrefacto.

 

Mas toda esta raiva finalmente libertada não tem limite. Logo de seguida dizem que «não é lícito recusar em apoiar um combate que está para lá das ideologias e dos partidos, porque se insere na defesa da democracia, da liberdade e da justiça social, que são património comum de todos os verdadeiros patriotas. Trata-se, em suma, de defender o país e o regime». Enfim, descodificando: “nós somos donos da verdade e apenas há um caminho! O próprio Fukuyama já tinha alertado para o Fim da História. A democracia é a inevitabilidade do FMI e dos restantes membros da Troika que tanto têm feito pelos países alvo de intervenção. Não há ideologias. Temos de nos sujeitar à fome, miséria, precariedade e pagar a dívida da banca e juros agiotas. Só assim cresceremos”. Cresce a dívida pública mas diminui a noção do ridículo. Em seguida, num exercício que me faz suspeitar de complexo de superioridade ou de psicose política, a dita juventude política arma-se de moralismo bacoco e desafia Soares a abdicar de apoios à fundação, da sua reforma e das suas regalias. Só não percebo porque personalizam o ataque a Soares quando outros nomes bem insuspeitos também o assinam.

 

Penso que a estrutura de jovens do maior partido da coligação não percebe o essencial do coro de críticas. A questão não é que Troika queremos, mas sim que política. E nesta questão não existe hierarquia patriótica ou interesses superiores. Quem estabelece os interesses é a classe governante eleita, e neste caso é composta por secretários de Estado da Troika que necessitam injectar fundos na banca privada, cientista que criou o Frankenstein da dívida privada. Daí termos de aguentar tudo, segundo Ulrich.   

 

Eles querem que nos calemos. Mas eu, assim como muitos dos que se opõem a esta política, recuso-me veementemente. E acrescento que direcciono a crítica a todos aqueles que não pretendem uma alternativa ao memorando. Para finalizar, devo ainda ressalvar que assim como o Rei Juan Carlos mandou calar Chávez quando este falava do fascismo e colaboracionismo de Aznar no Golpe de Estado que tentou derrubá-lo em 2002, a JSD também pede silêncio para que a mentira da ajuda financeira prossiga a sua verdadeira intenção: realizar um golpe de Estado sobre a Constituição da República Portuguesa.



publicado por Frederico Aleixo às 04:49 | link do post | comentar

Quarta-feira, 5 de Dezembro de 2012

Quando Relvas pediu em jogos de espiões escutas, eu calei-me,

Porque, afinal, não sabia do assunto que parecia conspiração.

Quando Relvas quis vender a RTP, eu calei-me,

Porque, afinal, até queria uma televisão eficiente.

Quando a venda da televisão por antecipação já estava fechada,

Para o compadrio e a imprensa da ditadura angolana, eu não protestei,

Porque, afinal, o seu dono não interessava.

Quando sanearam um jornalista, eu não protestei,

Porque, afinal, a justificação até estava explicada.

Quando levaram o último jornalista,

Não havia mais quem denunciasse.

 



publicado por Gabriel Carvalho às 19:38 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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