«Havemos de voltar
Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar.
Às nossas terras
vermelhas do café
brancas de algodão
verdes dos milharais
havemos de voltar.
Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar.
Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar.
À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar.
À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar.
À bela pátria angolana
nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar.
Havemos de voltar
À Angola libertada
Angola independente.»
(escrito na cadeia do Aljube de Lisboa, em 1960)
Agostinho Neto, Sagrada Esperança, Livraria Sá da Costa Editora.
Neste poema, Agostinho Neto, fala do resgate à sua Angola, da devolução aos povos angolanos da sua terra e dos seus recursos. Certamente não seria o estado em que se tornou a Angola actual, que estava no centro da sua esperança e luta, porém, foi sob esses sentimentos que levam a agir, que o político e poeta pautou e marcou a sua existência, e nos servem de exemplo e encorajamento para resgatarmos o país aos vendilhões.
Conta a história, num dos seus momentos, que aquando de uma das comemorações do dia da Raça, na Espanha franquista saída da guerra civil, na Universidade de Salamanca, o filosofo e reitor desta, Miguel de Unamuno e o General Milan Astray, fascista do regime da falange e aleijado de guerra, se defrontaram numa aterradora troca de palavras, em que este último saudava a morte e decretava morte à inteligência. Estavam portanto, de um lado a inteligência, por aqueles dias acantonada, e do outro, a morte, como programa político. Um confronto exemplar na oposição, da guerra que vivemos, a económica, que derruba, sob efeitos colaterais e convenientes, a inteligência e a capacidade de reconstruir e regenerar da democracia e dos elementos do dia-a-dia do bem-estar dos povos.
Para muitas das livrarias e alfarrabistas - a inteligência -, a nova lei do arrendamento urbano, com particulares consequências em Lisboa e no Porto, foi o estertor a anteceder a morte, que a crise económica e a ausência de recursos trouxe.
É do estertor da Livraria Sá da Costa que se fala, no ano em que comemoramos o seu centésimo aniversário, celebrado há pouco mais de um mês, curiosamente no dia de Portugal, 10 de Junho. A Sá da Costa atravessou a República, as evidentes limitações do tempo da Ditadura, e a Democracia, da crença no rejuvenescimento e fortalecimento desta, com garantias públicas de estar consolidada - paradoxo curioso para este tempo de agonia da inteligência, tão espelhada no fecho da Sá da Costa.
Promotora e divulgadora de conhecimento, a Sá da Costa é espelho também deste tempo e do mundo ocidental - onde está esta praia lusitana -, um mundo que uniformiza sob o signo da economia e do capitalismo, suprimindo a liberdade, capaz dos maiores e melhores feitos que a Humanidade dispôs, em que o conhecimento, as artes e a cultura arborizam-se e permanentemente constroem, mas ainda o mesmo que rapidamente atinge o cúmulo da barbárie.
Para bem e para o mal, o mundo ocidental, também uniformizou a duração ideal da vida, os cem anos, em que chegando-se à meta, já nada resta, como parece que acontecerá com a Sá da Costa. No triste momento em que o país mais dela precisava, com a sua inteligência, a sua memória, matéria e imatéria, que melhor podem sedimentar a cultura daquele mundo, transformando, com maior rapidez que, por exemplo, os sedimentos tornados petróleo ao longo de milhares de anos, riqueza do insustentável mundo ocidental, mais os seus males do capitalismo.
Viva a inteligência, abaixo a morte!
Pela noite saberemos o desfecho da trama política mais tragicómica desde o alçar do cravo. Os mais atentos ainda procuram uma explicação para todo o processo que elevou o governo ao estatuto de cadáver adiado e procriador de mais austeridade depois da demissão de Paulo Portas. Alguns apontam para a paixão, uma episódica tensão que levou ao desequilíbrio do ego centrista. Outros referem o conatus, movimento vital na procura do poder. Na busca da manutenção e exercício do poder. Melhor, na busca do seu fortalecimento. A escolha da nova ministra foi a via encontrada para Passos não perder a sua ascendência sobre o ministério das finanças mas acabou por perdê-la. Não a ministra mas a sua preponderância. Agora é o líder do CDS-PP quem comanda verdadeiramente os destinos do país.
O novo vice-primeiro-ministro há muito que suja as mãos. Sabe farejar e sobreviver ao pior cataclismo. Não se trata, por isso, de uma fénix porque nunca renasceu. Ele faz melhor que isso. Ele domina o tempo e a acção, a fortuna e a virtus na condução do seu destino, não do país. Sabe abstrair-se do kantianismo quando o contexto o justifica sem nunca deixar de apelar à sua moral. Também se assume como católico sem servir a Igreja mas servindo-se dela. Os cidadãos são antropologicamente maus, restando-lhe utilizar as suas habilidades para subir hierarquicamente e conseguir a obediência dos seus aliados.
Não é um Princípe, é um princípe. Não pretende fazer uso dos meios para robustecer o Estado mas a sua pessoa.
O tempo permitirá fazer uma avaliação ainda mais completa da longa passagem pela política, do português Durão Barroso. Certo é que para a história ficou a passagem pelo MRPP com os episódios revolucionários entre as cadeiras das salas de aula da universidade, e a fuga para a cómoda poltrona de Bruxelas. Esta última mais cómoda depois de a ter transformado na mais irrelevante inexistência.
Um final que é sempre o passado recente e o presente revelam a outra face da personagem: o terrorista financeiro. Vejam-se as declarações sobre a crise política criada pelos seus correligionários:
"É claro para mim que a reacção dos mercados se deveu ao facto de que poderia haver um enfraquecimento da determinação destes países em termos de consolidação orçamental e reformas estruturais."
"A maior lição dos desenvolvimentos recentes, nomeadamente no meu próprio país, é o risco que existe, se houver algum tipo de sinal de que não há determinação para a correcção de alguns desequilíbrios."
"A simples sugestão de que um governo que tem vindo a aplicar com determinação um programa negociado com a UE e o FMI estava em risco, essa simples sugestão criou algum nervosismo nos mercados.” Insistindo em que "é muito importante que toda a gente perceba isto". A lição a tirar destes acontecimentos é que "ainda não saímos da crise" e que é preciso "evitar qualquer tipo de complacência."
Há uns dias discutia-se se Durão Barroso honra ou não o país, sendo Presidente da Comissão Europeia. É óbvio que não. Quanto muito o país honrá-lo-ia a ele, e será essa a questão central para este e outros actores políticos, que julgam serem maiores que as funções que exercem ou procuram exercer. Durão Barroso no seu percurso político revela as convicções inabaláveis, nas quais vai acreditando ao sabor do vento e das oportunidades, do mesmo tipo daquelas dos que tomam posições irrevogáveis. Não serviu o país enquanto Primeiro-ministro, e muito menos serve a União Europeia e o ideal europeu.
Eleições?! É uma coisa muito complicada. É preciso escolher e tudo! Alguns até dizem que pode demorar até oito meses, todo o processo.
E a ansiedade?! Não saber quem ganha, e por quanto, e quem perde. É muita incerteza, dizem.
E os custos?! Uma loucura! Muito dinheiro para imprimir listagens com nomes de pessoas que têm que votar, e outras folhas onde essas pessoas que têm que votar fazem cruzes.
Tudo muito complicado. Melhor seria escolher um só, ou alguém auto-nomear-se, e ficar a dirigir vitaliciamente ou até cair da cadeira, para não se perder aquele tempo todo, não gostar dinheiro e não criar incertezas e ansiedade, em boas pessoas e sobretudo nos mercados.
Essa pessoa nomeava meia dúzia, que geriam áreas necessitadas de gestão, assim como numa empresa, e depois as pessoas que antes votavam, passavam a trabalhar em máquinas, tal como máquinas.
Não acrescenta muito saber se a alternativa é um lugar de vencedores ou vencidos. Importa é que ela exista para que eu possa acreditar em algo.
Estas sistemáticas crises políticas a que nos temos habituado nos últimos meses fazem sempre as delícias de comentadores políticos e demais ‘insiders’ da política. No entanto, na situação a que chegámos já só há uma análise política relevante a fazer.
A análise que se impõe com urgência já não se prende com questões ideológicas (que não podem ser esquecidas, evidentemente, mas já estamos em todo um outro patamar), nem programáticas, nem, muito menos, partidárias. A análise que tem de ser tida em conta e é já evidente é institucional, de Estado. O actual Governo da República não tem quaisquer condições para executar um programa político, qualquer programa político, e isso tem-se revelado evidente. Um país na maior crise económica que conheceu em décadas, na situação financeira mais difícil que alguma vez enfrentou e sob assistência financeira internacional não pode estar sujeito a um sistemático clima de ingovernabilidade. Não nos podemos dar ao luxo de, de três em três meses, ficar durante vários dias em suspenso para saber o que vai acontecer ao Governo e ao país, fruto das irresponsabilidades de todos os protagonistas políticos. Não é compreensível que os responsáveis políticos criem sistematicamente crises para as quais não se preocupam em encontrar soluções, evitando-as em vez de as promover. As negociações e legítimas lutas de poder dentro do executivo não se podem fazer na praça pública. Temos sido governados com uma absoluta e evidente incompetência que não é compatível com os sacrifícios pedidos aos Portugueses. A partir de hoje, o actual Governo da República não existe, e todos já o perceberam.
Neste momento só importa saber uma coisa: há ou não há condições, no actual quadro Parlamentar (e portanto respeitando as escolhas eleitorais para a actual legislatura), para haver um Governo estável e que consiga aplicar um programa político, qualquer programa político que obtenha apoio do actual Parlamento, com competência, responsabilidade e falando honesta e claramente ao país?
Se há, esse Governo tem de ser nomeado e o actual demitido. Se não há, tem de haver eleições. Na nossa actual situação, é assim tão simples.