No século XX, o Capitalismo não venceu a disputa com o ‘socialismo realmente existente’ pela sua maior capacidade de gerar riqueza, mas sim por se ter imposto como o modelo económico que promovia a democracia, os direitos humanos e as liberdades cívicas e políticas dos cidadãos (o facto de o capitalismo que venceu essa batalha ser o do Estado Social e não o da desregulação que hoje domina merece ser referido).
Depois dessa vitória, já no final do século, a globalização desreguladora do comércio internacional (e liberalizadora dos movimentos de capitais) foi defendida como a melhor forma de trazer a democracia e os direitos humanos aos regimes autoritários dos países menos desenvolvidos, de que o melhor exemplo foi o caso da China.
Mais genericamente, desde a década de 70 até hoje, o Capitalismo, o mais desregulado possível, é defendido como o sistema económico desejável por promover as maiores liberdades dos indivíduos. É esse o argumento moral invocado do Capitalismo, principalmente agora que os supostos benefícios económicos do Capitalismo, depois da brutal crise económica que criou, foram trocados, enquanto argumento, pela simples chantagem dos mercados, que, convenhamos, é um argumento substancialmente menos motivador.
Acontece que, apesar de os neoliberais nunca deixarem os factos estragarem os mitos da sua argumentação, nenhuma destas teses tem sobrevivido ao teste da realidade.
Ainda estamos todos à espera (e, temo bem, assim continuaremos) que a globalização que os neoliberais construíram traga a prometida democratização do mundo não democrático e, no que toca ao mundo democrático, os resultados prometidos também continuam ilusórios, parecendo mesmo que o ‘efeito de contágio’ é o inverso do prometido, piorando, isso sim, a qualidade das democracias existentes.
O Capitalismo Neoliberal, quando confrontado com os problemas que ele próprio criou, como a presente crise, prefere sempre sacrificar a qualidade da Democracia e das liberdades individuais a pôr em causa o dogma económico vigente.
São vários os casos que o confirmam. A Espanha, ainda no passado dia 11, nos deu mais um exemplo. Confrontados com uma feroz insatisfação social contra o estado a que o neoliberalismo votou a sociedade espanhola, os neoliberais respondem limitando as mesmas liberdades individuais que usam para promover as suas ideias. Não é caso único, tem-se verificado por todo o mundo ocidental. Na Hungria, as instituições internacionais, incluindo as europeias que tão rápidas são a ameaçar com consequências os países economicamente indisciplinados, como se se tem verificado em relação à Grécia, pouco mais fazem do que emitir umas palavras de circunstância sobre os inúmeros ataques da direita Húngara, no governo, ao Estado de Direito e à separação de poderes.
Durante quanto mais tempo aceitaremos as falácias sobre o capitalismo neoliberal servir para promover as liberdades dos Cidadãos? Quanto mais tempo ignoraremos as evidências de o Capitalismo desregulado, ao invés de promover as Democracias Liberais, ser, a prazo, incompatível com elas?