O caso tecnoforma já nos tinha deixado, por nada ter ficado claro, algumas dúvidas em relação à forma como o actual Primeiro-Ministro conduziu a sua vida profissional e contributiva, mas agora, com a história da falta de pagamentos à Segurança Social, saímos do campo das dúvidas para o campo das certezas.
É inadmissível que um Primeiro-Ministro tente justificar a sua evasão contributiva, porque é disso que se trata, com o desconhecimento da lei. Primeiro é inadmissível porque nenhum cidadão o pode fazer, depois é ainda mais inadmissível porque a falha por desconhecimento aconteceu depois dele ter sido Deputado, ou seja, depois de ele ter feito parte do selecto grupo de pessoas que escrevem e aprovam as leis que ele alega desconhecer. É inaceitável que um ex-Deputado se defenda alegando não saber aquilo que qualquer trabalhador normal sabe e tem obrigação de saber. Ainda assim, porque não podemos provar que está a mentir, não sendo aceitável como justificação, é uma razão que temos de tomar por boa. O grande e indesculpável problema é exactamente a forma como ele lidou com toda esta asneirada.
Como muitas vezes acontece em política, o problema não foi o fuck up, a asneira, porque os políticos, como todas as pessoas, também erram e isso é admissível, o problema foi o cover up, a forma como, em vez de se assumir e corrigir o erro, se tentou encobri-lo.
Sabemos agora que Passos Coelho sabia desde 2012 da existência desta dívida sem que nada tivesse feito até estarmos nas vésperas do escândalo rebentar. Ou seja, o Primeiro-Ministro não demonstrou qualquer vontade de corrigir o erro até ele ser um problema de imagem. Para ser mais claro, o facto de ele não ter pago as contribuições para a Segurança Social em nada o incomodou, não fosse essa coisa chata de se ter descoberto.
Mas pior, isto significa que enquanto passos coelho fazia discursos moralistas, no fim de 2012, dizendo que os pensionistas "estão a receber mais do que descontaram", ele provavelmente já sabia que ele não tinha descontado tudo o que estava obrigado a fazer e nada fez quanto a isso. Também quando afirmava, em 2012, pertencer a uma ‘raça’ de homens que paga o que deve, já saberia, ou estaria quase a saber, que não tinha, nem pouco mais ou menos, pago tudo o que devia ao próprio estado que tem a incumbência de gerir. Os exemplos de hipocrisia e falta de carácter demonstrado por nada ter feito para honrar as suas obrigações depois de saber do sucedido seriam infindáveis. Enquanto o seu governo penhorava os bens de milhares de pessoas com dívidas menores à Segurança Social, Pedro Passos Coelho sabia não ter cumprido com as suas obrigações e nem por um momento sequer teve intenção de regularizar as dívidas que tinha deixado por pagar até ser avisado que isso se saberia. Pior ainda, mesmo agora que quis evitar um problema de imagem pagando a dívida antes de a notícia sair a público, Passos apenas quis parecer que cumpria as suas obrigações, porque nem sequer se certificou de que deixaria toda a sua situação regularizada, apressando-se a pagar o mínimo que podia só para nos tentar atirar areia para os olhos. Isto, talvez mais que tudo o resto, demonstra bem a real falta de preocupação de Passos em cumprir com as suas obrigações, querendo apenas fazer os mínimos para ter uma desculpa.
Para Passos Coelho, uns milhares de euros (que para mim, como para tantos outros, seriam impossíveis de pagar, mas para ele provavelmente não) são mais valiosos do que a imagem, a credibilidade e a honra do Primeiro-Ministro da República, e isso é gravíssimo. Se a isto juntarmos a enorme falta de carácter que todo este episódio demonstra, é inevitável a conclusão que qualquer homem com um mínimo de honra ou vergonha na cara se demitiria na hora e, na falta desses mínimos de moralidade no Primeiro-Ministro, qualquer Presidente da República decente o demitiria imediatamente.
Infelizmente, nem o Primeiro-Ministro nem o Presidente da República possuem os mínimos de decência exigíveis a qualquer detentor de cargo público.