Antes de mais, não percebo a comparação de Thomas Piketty com Karl Marx. A ser feita uma comparação, faria muito mais sentido compará-lo com John Maynard Keynes, que (de forma semelhante com Piketty) nunca foi comunista (foi até anti comunista), nem sequer socialista, era um membro do partido Liberal.
Piketty esteve em Portugal e, além de esgotar a lotação de três auditórios na fundação Calouste Gulbenkian, encontrou-se com diversos líderes da esquerda moderada, de António Costa a Sampaio da Nóvoa, passando por Rui Tavares.
«Os políticos são escravos da opinião pública. Por isso o importante é contribuir para transformar a opinião pública dominante, mais do que convencer os políticos.»
«O que é realmente dramático é que transformámos uma crise que nasceu no sector financeiro privado americano numa crise de dívida pública, apesar de, inicialmente, a Zona Euro não ter mais dívida do que os EUA, o Reino Unido ou o Japão. E conseguimos, apenas por causa das nossas más instituições e más decisões macroeconómicas, criar uma crise a partir do nada.»
«Não vamos encontrar o nosso futuro na Europa se todos nos tornarmos paraísos fiscais. Sei que em Portugal há esta discussão de baixar o IRC de 21% para 17%, a seguir vai ser de 17% para 10% e depois de 10% para zero. Se continuamos por esse caminho, daqui a 10 ou 20 anos não haverá impostos sobre as empresas na Europa.»
«Falaram-me [o PS] do programa que apresentaram para as eleições. Parece-me ter medidas muito razoáveis. [...] estão a pensar criar um imposto sobre as heranças mais elevadas. Não digo que tenha de haver um imposto muito pesado, mas penso que esta medida vai no sentido certo. Se se recebe 100 mil euros com o trabalho, paga-se impostos. Não faz sentido receber um milhão, 10 milhões de euros sem trabalhar e não pagar nada.»
«O que o líder do PS me disse foi que têm um plano A e um plano B. O plano A é assumir que seguimos as regras do Pacto e o plano B é tentar mudar as regras na Europa. Para mim faz sentido ter estas duas abordagens.»
Há muito que ficou de fora e vale mesmo a pena ler a entrevista na íntegra.
A novilíngua que sub-repticiamente se tem apoderado do discurso vigente alicerça-se, tantas e tantas vezes, em mitos e conceitos pouco credíveis. As crenças de poucos tornam-se os dogmas de muitos. Questioná-los, nem sempre é fácil e pode até tornar-se uma experiência perigosa. E assim, qual vórtice, é a lógica dominante que tudo suga, criando a espuma dos nossos dias.
O dia em que Mariana Mazzucato participa numa conferência sobre políticas públicas de apoio à inovação, organizada pelo Partido Socialista, afigura-se como o momento ideal para replicar o seu inestimável contributo. Assim, surge na alcateia um uivo de alerta para a importância do Estado enquanto motor dinâmico da ciência e da economia, o qual subverte a ideia da iniciativa privada como força inovadora por excelência.
“(…) l’imprenditorialità – quella che oggi, apparentemente, tutti i politici e tutti gli altri funzionari sono desiderosi di incoraggiare – non è (solo) una questione di start-up, venture capitals e geni individuali che inventano prodotti rivoluzionari nel garage di casa. È una questione di volontà e capacità degli operatori economici di accollarsi il peso dei rischi e di una reale incertezza di Knight, cioè quello che è effettivamente sconosciuto. (…) Investimenti tanto radicali, che comportavano un elevatissimo livello di incertezza, non sono avvenuti grazie a venture capitalists o inventori da garage. È stata la mano visibilie dello Stato che ha dato corpo a queste innovazioni.” (Mariana Mazzucato, O Estado Inovador, 2014)
Numa época em que o empreendedorismo, mais propriamente o empreendedorismo que resulta do investimento de empresários em micro ou pequenas organizações, tem sido apregoado como a panaceia para alguns dos problemas estruturais da economia portuguesa, visões como a da economista italiana ajudam a refutar esta perspectiva, já que relevam o papel fundamental do Estado na inovação. Ao contrário dos arautos do neoliberalismo, Mariana Mazzucato olha para o Estado como um motor dinâmico, a quem não cabe apenas assegurar as funções vitais de uma sociedade. Na sua opinião, sem a capacidade e a vontade do Estado, dificilmente haveria investimento em sectores realmente inovadores, já que o risco de tal aposta é, habitualmente, demasiado elevado para a iniciativa privada. Para fundamentar a sua posição, dá o exemplo da “revolução verde”.
Mas, a economista italiana vai mais longe e lança uma ideia, no mínimo, provocadora: e se o milagre de Sillicon Valley se devesse ao investimento público? No seu entender, sem que tal investimento tivesse acontecido, empresas como a Apple não seriam o que hoje são. Isto porque muitos dos elementos revolucionários que se encontram na base do iPhone foram financiados por fundos estatais (por exemplo o Siri, o GPS, a internet ou o sistema táctil).
Mariana Mazzucato defende, assim, que a mão visível do Estado, consubstanciada no apoio das instituições públicas à inovação, é o verdadeiro dínamo transformador da estrutura económica de um país. Foi assim que aconteceu no Estados Unidos, quando a Darpa financiou o investimento na internet, mas também foi assim no Brasil, onde o Bndes se tornou num dos maiores investidores no sector das tecnologias verdes. No entanto, para a economista italiana, tal aposta só é possível se essas instituições públicas puderem usufruir de “capitais pacientes”. Isto é, se existirem instituições financeiras com capacidade de pensar segundo uma perspectiva de longo-prazo, como acontece com o KfW na Alemanha.
Por conseguinte, o discurso dominante, suportado pela ideia de que o voluntarismo e a boa vontade são condições suficientes para transformar as estruturas económicas de um país, é desmistificado. Para Mariana Mazzucato, o Estado é, per se, uma força dinâmica e inovadora, ao qual cabe um papel insubstituível na promoção do crescimento inteligente. Esta perspectiva chega, inclusivamente, a colidir com a argumentação de alguns líderes de Esquerda, que insistem na ideia de que não cabe ao Estado criar postos de trabalho ou que enfatizam, permanentemente, as virtudes do discurso do pequeno empreendedorismo.
A novilíngua que sub-repticiamente se tem apoderado do discurso vigente alicerça-se, tantas e tantas vezes, em mitos e conceitos pouco credíveis. As crenças de poucos tornam-se os dogmas de muitos. Questioná-los, nem sempre é fácil e pode até tornar-se uma experiência perigosa. E assim, qual vórtice, é a lógica dominante que tudo suga, criando a espuma dos nossos dias.
Distante dos uivos há já algum tempo, decidi regressar à alcateia vociferando o que não me pertence. Através de vozes sapientes, trago uivos que se assumem como abordagens alternativas à realidade imediata. Surge, então, este ciclo curto de ideias de certa forma subversivas, o qual se inicia com uma das visões que mais tem inquietado o campo da economia, a de Thomas Piketty.
“To put it bluntly, the discipline of economics has yet to get over its childish passion for mathematics and for purely theoretical and often highly ideological speculation, at the expense of historical research and collaboration with the other social sciences. Economists are all too often preoccupied with petty mathematical problems of interest only to themselves. This obsession with mathematics is an easy way of acquiring the appearance of scientificity without having to answer the far more complex questions posed by the world we live in.” (Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, 2014:32)
Neste caso, Thomas Piketty reflecte sobre o apego excessivo dos economistas a modelos matemático-dedutivos, assim como realça a escassez de abordagens interdisciplinares que conjuguem a economia e outras ciências sociais. Por conseguinte, a capacidade que as ciências económicas têm para responder a questões complexas é limitada. Este uivo remete-nos, de certa forma, para a ideia tão actual da economia como entidade sacrossanta. A economia acima de tudo, com capacidade para explicar qualquer dimensão da realidade. Realidade em que tudo possui um valor exacto, em que tudo é mensurável. Até a vida.