Confesso que não percebo toda a comoção com o retorno de José Sócrates à vida pública nacional como comentador político. Não é só pela óbvia razão de toda a gente poder dar a sua opinião, que esse direito não está só reservado a membros do Governo em cerimónias públicas, nem sequer só porque acho que ele é das pessoas mais qualificadas para falar sobre o país e a governação, mas porque acho efectivamente positivo que uma pessoa como o Sócrates dê o seu contributo na nossa vida pública.
Compreendo, mas nunca acompanhei, o raciocínio de que alguém que sai da liderança de uma organização (ou de um país) deve abandonar a vida pública. Aliás, nem sequer compreendo a lógica que se instalou de um líder que perde eleições ter de sair da liderança, Soares não o fez e muito outros honrosos exemplos existem, maioritariamente anteriores a esta nossa sociedade ‘de consumo imediato’, mas isso é uma outra discussão.
Acho também que a manutenção na vida pública dos ex-líderes é uma coisa positiva, permite pôr os seus conhecimentos e a sua experiência ao serviço da Sociedade. Independentemente de se gostar ou não deles, são pessoas em quem um número significativo dos meus concidadãos confiou e a quem concedeu legitimidade, isso significa alguma coisa. Permite também uma outra coisa fundamental, que eles sejam avaliados e obrigados a enfrentar as consequências das suas decisões. Tudo isto é ainda mais relevante no momento em que enfrentamos a maior crise (que é tanto moral, como social e económica) de que algum de nós tem memória.
Nesta conjuntura, e existindo uma narrativa da actual maioria para toda a nossa crise que põe exclusivamente as culpas de tudo o que nos está a acontecer numa única governação e numa única pessoa, é positivo que Sócrates venha a terreiro apresentar os seus argumentos. Todos deviam estar contentes com isto. Aqueles que acham que ele é o grande culpado devem estar contentes por ele voltar para assumir as suas responsabilidades e dizer de sua justiça (porque não pode não comentar a realidade e a realidade envolve-o directamente). Todos os outros devem desejar isto porque não mais será possível à actual maioria, impunemente e sem contraditório, justificar tudo com a retórica simplista da culpa do anterior Primeiro-ministro.