É sabido que todas as revoluções são inconstitucionais à luz da Constituição precedente. É que a Lei máxima de uma Nação fecha-se hermeticamente não tornando possível, no quadro da legalidade (democrática ou não) positivisita, aprovar uma nova Constituição. O poder constituido, o do actual governo, não se confunde portanto com o poder constituinte. O primeiro emana do segundo, que se encontra, no nosso caso, localizado na Assembleia Constituinte de 1975 que redigiu a Constituição actualmente em vigor desde 1976. Os atropelos, no nosso país, à CRP foram muitos e variados ao longos das últimas décadas, sobretudo no que concerne ao mecanismo de revisão constitucional que sempre foi muito mais simplificado do que aquilo que alguma vez deveria ter sido.
Contudo, hoje encontramo-nos num ponto paradoxal na relação do poder executivo com a Constituição da República Portuguesa, dita CRP. O governo não só insiste em violar a Constituição, com o beneplácito de quem, em primeira e última análise a jurou defender: o Presidente da República, como utiliza o Tribunal Constitucional, uma das mais dignas e honestas Instituições da República, como bode expiatório de novas e inconstitucionais medidas. Do Sr. Presidente da República, que à mais pequena dúvida de constitucionalidade da mais pequena lei a deve enviar para o Tribunal Constitucional (quanto mais a do Orçamento Geral de Estado) ao Sr. Primeiro Ministro que insiste em atentar contra um órgão de soberania, destruíndo assim a unidade nacional em torno do respeito que os cidadãos devem à República (como se não bastasse já o desmérito que tem em, a cada dia que passa, descredibilizar o poder político), estamos a assistir, serena e calmamente, ao maior ataque jamais perpretado contra a CRP e o órgão que fiscaliza o seu cumprimento.
Pode ser que não seja um Golpe de Estado Constitucional, mas se Afonso Costa disse, nas Cortes em 1907, que por muito menos do que D. Carlos fez, rolou a cabeça de Luís XVI, eu arrisco-me a dizer que por muito menos do que Passos Coelho e acólitos estão a fazer, rolou a cabeça de D. Carlos, que sempre tinha a virtude de ser homem de grande saber e cultura.
As palavras são actos e tempos extraordinários requerem palavras extraordinárias.
(continua)