Tenho sérias dificuldades em escrever sobre a conjuntura política que vivemos. Chego mesmo a não o querer fazer e demitir-me em menoridade cívica, como todo o Governo e seus parceiros na oposição vêm fazendo. Posteriormente, reflicto e concluo que o espaço que cada um de nós abandona é o vazio que cada um deles ocupa. E por esse motivo aqui estou, nesta selva plantada a cordel (e o mesmo será chamar-lhe ditadura), em maioridade cívica, iniciativa intelectual e autonomia política.
A débil fibra, assim baptizo este texto. Não porque se querem títulos curtos e sonoros, antes por este fazer sentido e traçar, ao milímetro, a vigorosa cultura política da maioria dos fantoches parlamentares que movem o próprio espírito ao sabor dos cordéis da Troika. E, apesar da mensagem pela recusa do memorando se ir perpetuando na espuma dos dias, nas profundas águas da Assembleia da República (e dos partidos que a constituem maioritariamente) reina a convicção de que uma verdadeira solução que salvaguarde a soberania do país destruirá o sistema político português. E aqui reside a sua primeira debilidade: hipocrisia. A manutenção deste programa de assistência financeira é consequência da manutenção destes cavalheiros.
São poucos os que têm arriscado defender propostas políticas que ilegitimem a dívida e comprometam a medíocre representatividade que opera na nossa Democracia. Outros, ao prestarem-se ao coloquialismo desabitado de características como o patriotismo (não defendendo o país), a representatividade (não cumprindo contratos sociais) e a legalidade (os nossos direitos fundamentais perante o Estado são relativos) revelam a sua segunda debilidade: corrompimento.
Pergunto: o que podemos esperar desta ofensiva? Nada. Apenas morte em nome da redenção e guerra em nome da paz. Não perceberem que a resposta a protagonizarem é aquela imposta pelos eleitores demonstra a sua terceira e fatal debilidade: desrespeito.
Para todos os que me acompanham neste raciocínio, transcrevo uma passagem de José Augusto Seabra, motivo pelo qual escrevi este texto como escudo da emancipação social a que temos direito, a que presidimos:
"Maioridade Cívica
Enquanto não nos mostrarmos capazes, como povo adulto que historicamente temos obrigação de ser, de uma assunção plena das nossas responsabilidades de cidadania - e sem isso não há democracia possível -, iremos de crise em crise até nos encontrarmos talvez um dia de novo privados dos nossos direitos, que não revelámos coragem de exercer mas apenas reivindicar. Esperarmos que do poder político constituído dependa tudo o que de bom e de mau nos acontecer, sentirmos a necessidade de à sua sombra nos acobertarmos ou de lhe pedirmos para intervir na vida pública, até no plano local, é velha pecha nossa - mesmo daqueles de quem menos se esperaria -, a patentear ainda uma menoridade cívica inquietante. Reclamarmos, por um lado, mais iniciativa e autonomia, e não agirmos com independência face ao poder (aos poderes) não será uma contradição insanável, cujo preço acabará por pagar-se não só em termos de dignidade mas de liberdade?"
Paris, 12 de Novembro de 1985