Eu sou um institucionalista. Para mim as instituições merecem-me respeito porque elas representam valores, conceitos e ideais.
É por esse respeito, por essa admiração pelas instituições da República e por todos os valores que elas representam, que eu me sinto obrigado, a partir de este momento, a considerar que a posição de Presidente da República Portuguesa está vazia.
O exercício da Presidência da República, como de qualquer cargo político na República, não é, ao contrário de que muitos acham (incluindo o bolo rei), o exercício de direitos constitucionais e prerrogativas legais. O exercício da Presidência da República é o cumprir de um dever máximo: o de ser o garante absoluto da República, da Constituição, da Democracia e do regular funcionamento das instituições.
O sujeito, que não me merece o mínimo respeito pela enorme vergonha que têm sido as suas atitudes, não exerce o seu dever para com a República porque a não protege de quem a tem vindo a atacar e até com a sua celebração acabou. Não exerce o seu dever para com a Constituição que jurou defender porque, cumprindo apenas os mínimos olímpicos quando a isso é obrigado pelas circunstâncias, nem sequer se manifesta contra o imenso desrespeito para com o Tribunal Constitucional por parte de um governo autoritário que não compreende a separação de poderes e a supremacia da lei.
Hoje a pessoa que subverte a Presidência da República desrespeitou a Democracia no dia da sua celebração máxima. No dia em que se celebra a coragem monumental de Homens da categoria moral de Salgueiro Maia, este homem pequeno e mesquinho pretendeu em discurso solene, na casa da Democracia e em presença daqueles que têm o dever Constitucional de representar os Cidadãos da República, esvaziar de significado um dos Direitos mais fundamentais que foram conquistados em 1974 (estes sim Direitos, ao contrário dos direitos que ele pretende ter enquanto ocupante do Palácio de Belém).
Esta figura menor, mas com as maiores responsabilidades em muitos dos problemas estruturais do país, disse: “É essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as concepções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no governo, o país depois de encerrado o actual ciclo do programa de ajustamento, adoptará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu”; tendo ainda acrescentado, juntando o insulto à agressão, que: “Se se persistir numa versão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões que pouco dizem aos portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o governo ou estar na oposição”. Dizendo isto, esvaziou todo o significado político e simbólico da Democracia fundada há 39 anos, pretendendo transformar a Democracia num mero reality show em que nós apenas escolhemos qual a figura que desejamos que conduza uma orientação política pré-definida que alguém pretenderá impor.
Com todas as vergonhas a que temos assistido, perante a total passividade de Cavaco, não há hoje ninguém que não veja com clareza o falhanço final e indesculpável do árbitro do sistema, garante Constitucional último e soberano: a inexistência de um regular funcionamento das instituições da República.
Por tudo isto, o ente que foi eleito para ocupar a Presidência da República Portuguesa não é merecedor dos votos que, legitimamente, teve, nem do respeito de qualquer Republicano. O indivíduo que se apropriou da Presidência da República Portuguesa, como se lhe pertencesse e não aos Cidadãos, operou um verdadeiro golpe constitucional esvaziando a Presidência da República e falhando gravemente às suas responsabilidades.
Estas minhas palavras serão provavelmente palavras duras e tenho a certeza que alguns as considerarão inaceitáveis, mas, para citar o que o Professor João Ferreira do Amaral escreveu a propósito do seu mais recente livro: “a linguagem pode ser considerada demasiado dura […] Admito que sim. Mas na minha opinião, o desastre nacional é de tal forma profundo que é tempo de deixarmos as gentilezas de linguagem em benefício da crua dureza da realidade”.
A partir de hoje não temos Presidente da República. O Cavaco é como um traidor à República que conseguiu atingir, por mérito próprio ou demérito alheio, a posição em que está em melhores condições de efectivar a sua traição.
A toda a parte chegam os vampiros...