As datas que assinalam conquistas laborais em Portugal foram intervaladas pelo XIX Congresso do Partido Socialista. Um Congresso ganho à partida por António José Seguro com a sua aproximação a dois notáveis que desafiaram a sua liderança num passado recente, refiro-me a António Costa e Francisco Assis. Reunido o aparelho, bem visível na lista apresentada à Comissão Nacional, procedeu-se à aprovação da moção "Novo Rumo". Como disse o reeleito secretário-geral, quem esperava um PS radical, irresponsável e facilitista enganou-se. Pelos vistos também se enganou quem perspectivava pelo menos um PS mais arguto, ousado e desafiante do status quo europeu. Uma organização política que se disponibilizasse a uma solução coligada à esquerda para o problema da dívida e procurasse alianças no quadro europeu dos países alvo de intervenção. Nem uma coisa nem outra. Pior, nem uma demonstração de solidariedade. Se o objectivo era não prometer nada que não pudesse cumprir, então a lista vencedora foi mais longe. Não apresentou alternativas substanciais ao problema da dívida portuguesa e à política económica que tanto desemprego e miséria têm gerado.
Com uma dívida pública a situar-se na casa dos 123% com tendência para aumentar, um desemprego galopante e uma economia em queda livre, a nova moção não conseguiu ir além de uma renegociação dos juros e extensão de prazos para cumprimento do défice, além de um papel mais interventivo do BCE como grande estratégia para a recuperação do país. Não conseguiu explicar como resolverá o problema do stock da sua dívida acrescentado aos 78 mil milhões mais juros a pagar à Troika e o seu exercício religioso, qual auto de fé no papel interventivo do BCE. Não existe, portanto, uma solução alternativa que dependa unilateralmente de um governo eleito. Fica por saber como é que António José Seguro evitará o corte nas funções sociais do Estado exigido pela Troika sem rasgar o memorando de entendimento, já que um papel mais acutilante do Banco Central Europeu na compra de dívida depende do compromisso com a intervenção externa, condição sine qua non para compra ilimitada de dívida no âmbito do Outright Monetary Transactions. A própria mutualização da dívida pública portuguesa que exceda os 60% depende mais da correlação de forças na europa, sendo certo que o ministro alemão das finanças Wolfgang Schäuble, pelas suas posições anteriores, demonstra ser um opositor desta medida.
Esta é a base para uma folga orçamental que, juntamente com a redução do rácio de solvabilidade dos bancos e a criação de um banco de fomento, possibilitaria uma estratégia fiscal para as empresas, sem sequer mencionar qualquer medida para aumentar a procura. É que a criação de emprego nada diz em relação aos míseros salários pagos, à perda de direitos laborais e o assalto aos rendimentos dos trabalhadores para pagar a dívida portuguesa. Sobre o salário mínimo português nem uma palavra.
Sem que partilhe das posições da esquerda parlamentar e, como disse Seguro, prossiga a austeridade, ficam várias questões por responder: como é que o PS vai evitar o desmantelamento do estado-social sem, no mínimo, reestruturação da dívida e abandono das políticas de ajustamento e metas do Tratado Orçamental Europeu em relação à dívida pública e ao défice estrutural? De que forma pretende entender-se à esquerda sem que prescinda da estratégia europeia seguida até aqui? Certamente e paradoxalmente com entendimentos à direita. A mesma direita que considerou as medidas apresentadas como demagógicas e irrealistas.
Para uns, o Congresso da unidade e esperança; para outros, como eu, a certeza de que este Partido Socialista não está virado para as pessoas, mas para a austeridade eterna. Não está virado para o país mas para a actual realidade europeia. Um PS virado, isso sim, para uma alternativa que mantenha os cidadãos e cidadãs a financiar o fim do modelo social europeu.