Os cientistas políticos e da geopolítica, mais os filósofos e os que não desistem de filosofar, pensam e elaboram teorias acerca da queda e decadência da civilização ocidental, em especial do seu composto de Europa, que de facto demonstra diariamente o quanto se afasta do seu esplendor, e diga-se, para registo de memória, do pouco tempo que nos separa das suas atrocidades, tão afastadas da civilização e já no campo da barbárie mais aberrante que a história pôde registar.
Deposta a barbárie, e analisando o que interessa de progresso, e realmente importa ao dia-a-dia dos membros do conjunto civilizacional, os últimos 60 anos podem e poderão ser analisados na história como o período em que o conjunto dos Estados mais cooperaram num sentido comum, caminhando até romanticamente em torno de ideais superiores e admiráveis, verdadeiros factos civilizadores, naquilo que a civilização tem de mais nobre.
Diz-se de uma pessoa que é civilizada. Dizê-lo das instituições europeias e de um conjunto alargado de líderes por essa Europa fora, serem civilizados, embora o possam ser no trato, cada vez menos o parecem nas decisões que tomam. Que o digam os trabalhadores e o projecto outrora de ideais superiores e admirável. Vão ficando, em diferentes doses nacionais, os recuos nos direitos dos trabalhadores, e no direito e acesso ao trabalho, nas garantias e direitos de dignidade na aposentação, na dignidade em geral, e claro está, o recuo na coesão das sociedades e na democracia que lhes dá os contornos.
Não foi por acaso que um dia Margaret Thatcher disse, que aquilo que é entendido por sociedade não existe (“There is no such thing as society”). Aos interesses da estratégia de lucro neo-liberal, a promoção do indivíduo e do individualismo, são o instrumento que rompe os laços e impedem o livre-arbítrio e a competição selvática, que ao contrário do apregoado não são liberdade, mas antes submissão, exploração e as regras da força. A barbárie portanto.
Das forças políticas progressistas dos trabalhistas, socialistas e sociais-democratas europeus já se sabia, e vai-se abordando, o período dos anos de 1990 e dos de 2000, em que renunciaram ao seu papel único na história e cederam aos interesses da alta finança e das grandes corporações. Felizmente, e apesar do andamento devagar devagarinho, o estádio deste campo político vai-se alterando, reposicionando-se onde deve. Esperemos apenas que não seja tarde, como em outros momentos da história foi.
Já quanto às forças políticas afetas à democracia cristã europeia, de longa e importante tradição, pouco se diz das suas cedências. Porém não podem passar em branco, até porque foram talvez os primeiros a ceder, como se viu com Thatcher, e atualmente se revela tão gritante a renúncia àquele que é o seu papel, também ele único. Justamente se deverá dizer que em nome de um futuro que já não o é, desapareceram ou estão ocultos.
Descrente e não crente, mas com esperança, devo ressalvar as palavras de Francisco, o papa, hoje, a propósito do Dia do Trabalhador, que parece levar a sério a sucessão àquele que teve como profissão ser pescador, e espera-se que influencie a visão e o pensamento cristãos e a corrente política democrata cristã:
"Um título que me surpreendeu no dia da tragédia do Bangladesh foi 'Vivia com 38 euros por mês'. Esta era a forma como eram pagas as pessoas que morreram. Isto é chamado trabalho escravo."
“Penso nas pessoas, não apenas nos jovens, que estão sem empregos muitas vezes por uma visão económica da sociedade fundada no lucro egoísta, para além das regras de justiça social.”
De todos, democratas cristãos ou socialistas democratas, se espera que não renunciem, e contrariem este tempo «em que os homens renunciam.» (Sophia de Mello Breyner Andresen).