Atribuída a Luís XIV, também conhecido por Rei-Sol, a expressão “l’Etat c’est moi”, bem como aquele epíteto de Rei-Sol, dizem bem de uma realidade em que o poder, ou os poderes, do Estado estavam nas mãos do monarca. No Absolutismo, o chefe de Estado punha e dispunha, ditava e reconfigurava as leis conforme as suas conveniências.
Serve esta frase e o exemplo histórico do rei francês para lembrar das recentes atitudes do nosso bicéfalo Rei-Sol, ou seja, o rei Pedro (bicéfalo também, de duas faces) e o sol Paulo. Quando anoitece, como aconteceu na sexta-feira passada, o rei Pedro apresenta, do alto da sua cadeira e sabedoria, a continuação do seu projecto para o país, uma austeridade grandiosa e pomposa, à moda dos tempos de Luís XIV. Naquele tempo, o rei francês construía palácios enormes, neste tempo o rei Pedro faz enormes aumentos de impostos. Naquele tempo os palácios tinham no fausto a beleza, neste tempo, tais cortes são de um ajustamento bonito. Num dia de domingo, surge o sol Paulo, no meio de vestes impecáveis e na clarividência dos seus raios, os mesmos que tentam ocultar, pelo excesso de luz, tudo o que tentam esconder. Um é a continuidade horizontal do poder do outro.
Tentando esconder quais os caminhos que seguem, Pedro e Paulo encenam um jogo ao jeito da corte, de que este último é exímio actor, mas logo o inábil e incapaz primeiro, volta ao que havia dito ao país: os funcionários públicos que estiverem no quadro de mobilidade se não encontrarem novo posto, ao fim de 18 meses ficam pura e simplesmente sem trabalho, e a esperança na benevolência dos critérios do poder regente; quanto às pensões, Pedro diz que são para cortar, Paulo faz que bate o pé, Pedro diz que vai em frente, com efeitos retroactivos, qualquer que seja a lei que as assegure, qualquer que seja a moral que esteja pela frente.
Ora, vivemos numa república, num primado do estado de direito democrático, sob princípios como o da segurança jurídica, onde na prática cabe o direito a receber a pensão para a qual se descontou durante anos de trabalho, e por muito que possa parecer não vivemos sob um regime de tirania e livre arbítrio, no qual quem governa exerce o poder conforme as suas conveniências. Se for isso o que sentimos, também o exemplo francês nos serve, com a qualificante de o poder estar nas mãos dos cidadãos, e mais tarde ou mais cedo ser-lhes-á dado, em circunstâncias que exijam mais ou menos força.