É preciso voltar a relativizar a importância da propriedade. Tida, nas últimas décadas, como o mais sacro-santo dos bens na civilização europeia, a verdade é que desde que Proudhon o formulou, a propriedade e a sua partilha ou distribuição assentam mais no roubo que na Justiça. Isto acontece porque falamos de um roubo legal numa terra em que só a Justiça aparece como categoria da moral nas mentes mais conscientes.
Relativizar a importância da propriedade porque ela aparece como o trabalho em Hannah Arendt: num tempo em que nunca foi mais difícil tê-lo, nada é tão valorizado como ele. Assim acontece com a propriedade: num tempo em que nunca foi mais difícil tê-la ou mantê-la, nada é tão valorizado como ela. Trabalho e propriedade andam de mão dada com as classes favorecidas. Numa altura em que nunca foi tão difícil trabalhar e ser ressarcido no justo valor do seu trabalho, a bem dos justos valores que devem reger a sociedade, é preciso introduzir um discurso social de desvalorização da propriedade como bem supremo a defender acima, por exemplo, da dignidade ou dos valores primordiais da Justiça. Sendo que, como Raymon Aron, sou favorável a uma distribuição da riqueza na medida do meu conceito de Justiça, não revejo uma sociedade aperfeiçoada socialmente sem que a Propriedade não seja realocada, redistribuida ou readquirida. Realocada aos que mais necessitam, redistribuida pelos que dela foram espoliados e readquirida quando houvera sido privatizada.
Está certo que muita propriedade resulta de muitos e longos anos de sacrifícios e poupanças. Essa é muito distinta porém, da que resulta de um roubo às classes trabalhadoras e que permite luxos e bountades inaudítas nas terras dos cidadãos comuns. Por que aceitamos a propriedade faustosa de um sujeito que ganha dinheiro com a falência dos Estado e das Empresas? Há muitos tipos de propriedades e não podem todas obedecer ao mesmo regime jurídico. Ou todos os crimes respondem perante as mesmas normas? A propriedade não é um crime. Pelo menos sempre. É, outrossim, uma injustiça e uma desigualdade. E foi isto, por exemplo, que Max Stirner não percebeu n' O único e a sua propriedade', em que reduz as Instituições supra individuais a exercícios de opressão. São-nos, quando são usados como meros instrumentos de exercício de poder e não de transformação da realidade. É isto que uma nova relativização do conceito de propriedade pode proporcionar: respostas aos nossos problemas económicos e sociais.
(continua)