Em diversos momentos da História, profetas apareceram a ditar o Fim das Ideologias. Geralmente faziam o anúncio em momentos catárticos que proporcionavam aplausos perante tal proclamação. Esta construção intelectual agrada à humanidade que anseia pelo ideal, pelo fim de novas catástrofes, pela união de interesses entre todos. Querem acreditar na felicidade colectiva sem que reste qualquer homo homini lupus presente numa determinada dialética. Anseiam que uma nova sociedade poderá florescer negando todo o materialismo histórico que desvela uma rede de múltiplas opressões.
Em dois momentos particulares se fez uso dessa suposta convergência. Em primeiro lugar no Congresso de Milão de 1955 onde intelectuais com a craveira de Raymon Aron abordaram um novo consenso ao centro, tendo sido seguido por Daniel Bell ou John Kenneth Galbraight, entre outros. Vivia-se o rescaldo do fim da Segunda Grande Guerra e o triunfo das ideias keynesianas. Uma vã esperança de controlo do ciclo económico e do bem-geral proporcionado pela intervenção do Estado na economia, assim como um entendimento entre esquerda e direita ocidentais em relação ao modelo de democracia representativa. Qualquer marxismo era tido como ópio de intelectuais. Numa segunda versão, Francis Fukuyama, exaltado com o fim da Guerra-Fria e a derrocada da União Soviética, não quis deixar de panfletar os defensores do Mundo Livre. Desse momento em diante o liberalismo económico acompanharia a democracia representativa por esse planeta fora.
Por mais esforços que se produzam para defender estas teses com o auxílio da teoria dos partidos eleitoralistas, do esvaziamento programático e o modo como o capitalismo está instalado globalmente, quer nas agendas dos países, quer em instituições internacionais, advogar o fim da luta de classes e de alternativas ao capitalismo sempre me pareceu uma imposição das elites intelectuais que servem uma determinada classe dominante.
Em pleno ano de 2013, e ainda sofrendo com as consequências das crises do subprime e das dívidas soberanas, o empirismo lembra-nos dos constantes ataques do capital sobre o trabalho, dos saques que aprisionaram o destino de países, da banca salva com o rendimento do comum dos cidadãos e da vassalagem perante os mercados. Ainda assim querem convencer-nos que não há alternativas, que temos de honrar compromissos e prestar subordinação a quem nos condena à miséria e à precariedade todos os dias. Todavia, desta vez, este crespúsculo teórico não advém de um novo modelo económico como o keynesianismo ou o neoliberalismo, nem sequer de um momento marcante visto como avanço civilizacional. Pelo contrário, querem implementar velhas ideias económicas tecnocratas com resultados na desigualdade em nome de um défice ou uma dívida injusta. A própria democracia ficou refém do credor, não oferecendo meios para uma população resistir a não ser por via da luta nas ruas. Com efeito, parece-me que existe mais uma ditadura do pensamento único associada à rendição de sectores da esquerda social-democrata do que propriamente uma convicção nos rumos económicos e financeiros seguidos pela Europa, por exemplo. Diria que é mais um bloqueio ideológico do que propriamente o enésimo enterro de Marx.
A humanidade não é estanque e o fim da opressão não chegará por decreto. Hoje mais que nunca é preciso conquistar o que nos é retirado e almejar uma outra estrutura económica e social. O pensador social-democrata Eduard Bernstein diria para nos concentrarmos no movimento; pois eu prefiro uma meta que dê sentido a todos os combates vindouros.