Sinto-me profundamente representado por Mário Soares. Ainda que este não desempenhe actualmente qualquer cargo político, além do de Conselheiro de Estado, basta circular pelas ruas e cafés para entender o respeito pela palavra de Soares. Assim acontece também com Jorge Sampaio, e penso eu, com Ramalho Eanes. Três ex-Presidentes da República que souberam, grosso modo, representar todos os portugueses, dignificar a função, gerir o equilíbrio de poderes, sem esquecer por algum momento, por um lado o Povo, e por outro a Democracia, fazendo lembrar a expressão de Lincoln: “a Democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo.”
Com toda a carga histórica da personalidade política, Mário Soares, consegue aos 87 anos, continuar a ser um elemento chave na sociedade portuguesa, na intervenção constante e na insistência e participar activamente na construção de soluções para os problemas do seu país. Assim deveríamos agir enquanto cidadãos. Mais uma vez, Soares o conseguiu, no encontro “Libertar Portugal da Austeridade”, juntando as diferentes esquerdas, que com muitas dificuldades o faz, e por complexos históricos, não consegue dialogar. Ou melhor, parece que não conseguia, e deu o primeiro passo.
Quanto a mim, precisarei de outros momentos como este para derrubar algum cepticismo que tenho alojado, não tanto por acreditar nas soluções que podem surgir à Esquerda, e desta em amplo consenso com a sociedade e as suas forças vivas – como se viu no encontro “Libertar Portugal da Austeridade” -, mas sobretudo pelas ausências de elementos da vida política portuguesa representantes de partidos de Esquerda, que não compreendem o momento e não compreenderão totalmente o seu papel. António José Seguro e Jerónimo de Sousa, cometeram o erro de faltar, e nessa ausência, como em outros momentos, falhar na demonstração a um país atento e sensível, que existem alternativas e outras possibilidades. E diga-se, isso não é pouco: é a diferença entre manter uma sociedade coesa, ou uma sociedade à deriva; é a diferença entre aprofundar a Democracia e promovê-la, ou assistir ao seu esvaziamento e ao declínio, nos quais nenhum projecto político democrático pode singrar.
Uma vez mais Soares. Tal como fez antes do 25 de Abril, quando trouxe para a luta contra a ditadura, componentes relevantes da sociedade, como por exemplo os católicos progressistas, também hoje, Soares entende profundamente o momento e consegue atrair ao consenso político, personalidades sem vinculo partidário, mas civicamente activos, com participação constante na vida política portuguesa, como é o caso do Reitor da Universidade de Lisboa Sampaio da Nóvoa. Este, no seu exemplo, é um elemento agregador, e a sua presença, a atitude brilhante no convite de Soares, que chamará certamente outros a este consenso.
É curiosamente de Sampaio da Nóvoa, uma das afirmações mais significativas do encontro: “É só um encontro? Pois é, mas um encontro pode decidir uma vida. Podemos falar, podemos conversar e agir em conjunto.”