«Sou um Aquiliniano. Sou-o em aliança com o rústico, o animal, o verde. Sou-o, em partilha das ruas, casas e pastos».
Acompanhei com entusiasmo a vaga de artigos sobre Aquilino que se assenhoreou (e muito bem) da comunicação social. Pela altura do cinquentenário da sua morte, muitos deram o seu testemunho acerca deste "mestre esquecido" que lavrou "um Portugal hoje abandonado" ou, assim prefiro, um Portugal das nossas raízes. Por proximidade ou reconhecimento literário, divulgaram algumas histórias das Terras do Demo e dos seus bichos em harmonia com os homens, "terras por onde Deus não passou", outros das suas passagens de Paris a Romarigães. Muito pouco li acerca da obra que dá cunho a este blogue, tornada lendária pela censura e amada na escuridão pelo povo português. Nesse romance, "Quando os Lobos Uivam", reside, na minha opinião, a maior das pedagogias da obra de Aquilino Ribeiro: o instinto de subversão, herdado dos lobos, habitantes dos montes e penedos. O romance de Aquilino trouxe consigo a razão e justeza, por nenhum outro motivo a censura se apoderaria dos seus exemplares. Hoje, na senda de uma quimera de realidades, obriga-nos à emergência de defesa do direito, serviço e património públicos.
O assalto às civilizações está em marcha. Em palavras de Aquilino, "reina em toda a extensão um domínio feudal". Os cidadãos encontram-se entre a agiotagem internacional e os subornados gestores de sacrifícios. É tempo de Portugal em inho, como escreveu Alegre. Quando derramo raiva ao olhar esta situação lembro, persistentemente, o acontecimento que sobressaltou os indígenas da Serra dos Milhafres. A manifestação contra a ocupação dos baldios por parte do Estado fascista custou a Manuel Louvadeus uns tempos de prisão. Na sua reflexão, Aquilino justifica o ranger dos dentes da população com o direito ancestral que os assistia. Direito esse que nos transporta para os primórdios da constituição das sociedades e nos ajuda a relacionar quem somos e de onde vimos. "O engenheiro silvicultor convidava os nobres amigos para montarias no couto como os reis para as tapadas, onde içava o veado e o cervo. Na serra dos Milhafres faltavam estas espécies venatórias, mas, com o tempo e extensão dos poderes, lá se chegaria. E os povos? Os povos tiritavam encardidos de pobreza e barbárie, incrustados nas suas orlas. Mas que importavam as vicissitudes dos velhos aglomerados e que fossem dignos de lástima os netos dos iberos e turdetanos?" Sobre a ocupação da propriedade dos povos, a moralidade força-nos a inverter o raciocínio de que o capitalismo, de Estado ou corporativo ou feudal, é proprietário de algo; o povo é, por direito, o credor de toda esta malha. Precedendo toda e qualquer política de feudo, é nossa a propriedade de existir, usufruir e produzir. E esta é a essencial pedagogia de compreensão daquilo que somos, legitimadora de uma luta por uma terra sem amos. Como referi, o instinto de subversão e suas características na obra Aquiliniana, obrigam-nos à insurreição em acto cívico. Sendo o exemplo destes serranos paradigmático, talvez possamos repensar algumas questões e reposicionar algumas ideias. No "Eterno Retorno do Fascismo" de Rob Riemen, pode ler-se nas primeiras páginas sobre a manipulação da linguagem numa Democracia de massas. Os Governos têm-no feito ao agrado das suas vontades. Por isso quando nos apelidarem de radicais, seremos patriotas; de irresponsáveis, seremos consequentes. Seremos até superiores porque sabemos que o país nos pertence e que a nossa luta será lei.