Fez ontem 12 anos que o mundo ficou chocado com um tenebroso ataque terrorista que se revestiu da condição de maior brutalidade de sempre a ser transmitida em directo pelas televisões de todo o Mundo.
Só pensar naquilo que se passou naquele dia, e no que se lhe seguiu é assustador. O ataque em si, pelo número de mortes que causou, pelo impacto visual que causou e, talvez acima de tudo, pelo terror com que se impôs no cenário das nossas vidas diárias, foi suficiente para mudar as vidas de todas as pessoas no Mundo Ocidental.
E é exactamente aí que tudo isto é mais importante e mais assustador, naquilo que se seguiu.
Este atentado, o medo e a paranóia que ele provocou, tem servido, nos últimos 10 anos para justificar tudo, incluindo o mais injustificável. Justificou guerras que multiplicaram milhares de vezes o número de mortes desnecessárias. Justificou limitações aos nossos Direitos, Liberdades, e Garantias que fariam algumas ditaduras salivar de inveja. Justificou alterações tão profundas na nossa sociedade, e na forma como ela (a Ocidental entenda-se) se relaciona com as outras, que, como alguém já disse nalgum sítio, os terroristas já não precisam de destruir a nossa ‘way of life’, porque nós já o estamos a fazer por eles.
Tudo isto tem sido feito pela exploração dos medos que dominam a sociedade pós 9/11, não deixa de ser irónico que as acções dos terroristas tenham servido de ajuda aos autoritários das nossas sociedades, que são aqueles que mais se parecem ‘cá’ com os terroristas de ‘lá’. E daí talvez não seja irónico uma vez que inevitavelmente as acções terroristas servem sempre os interesses dos autoritários, não intencionalmente ou em colaboração (cruzes-credo), mas mesmo de forma não intencional é o inevitável.
Com tudo isto, os Cidadãos Americanos foram duplamente vítimas, sendo vítimas dos bárbaros atentados e depois das suas consequências. Os Estados Unidos estão, não só numa deriva ostensivamente opressora das liberdades e direitos individuais, mas também atolados em guerras que os arruínam financeira e internacionalmente, destruindo qualquer capacidade do Mundo Ocidental conseguir exercer um efeito positivo no Médio Oriente, o que era muito necessário. Tudo isto com a justificação apelativa, para além do combate ao terrorismo (que nunca ficou bem explicado, quando não foi completamente enganador), da ‘exportação da Democracia’. Acontece que os Estados Unidos nunca foram particularmente bons a construir Democracia em outros países. De facto, a especialidade deles é a oposta… E isso traz-me ao evidente que falta dizer sobre este dia.
Ontem não passaram só 12 anos dos atentados terroristas de 2001, passaram 40 anos do golpe militar que os Estados Unidos provocaram (vá pronto, com boa vontade só incentivaram e apoiaram) no Chile, que não só provocou a morte de um dos mais emblemáticos líderes da Esquerda Mundial como colocou no poder um dos mais violentos ditadores da segunda metade do Século XX.
Aquilo que se passou em 1973 no Chile é particularmente negro, não só pelo que disse antes, mas porque significou o fim da mais promissora experiência Socialista que já existiu. Foi uma experiência Socialista avançada e ambiciosa, mas Democrática, sem restrições às liberdades políticas ou autoritarismo, tendo mesmo Allende chegado a ser acusado pelos Soviéticos de não estar disponível para fazer ‘o que era necessário’ para manter o poder. Nunca se tinha feito tal experiência Socialista em Democracia e não mais se voltou a fazer, todo esse capital de esperança, quase utópico, ter sido substituído pela sanguinária ditadura de Pinochet é algo que, antes de tudo o mais ofende qualquer sentido de estética sobre o Mundo, sendo ainda de uma atrocidade verdadeiramente criminosa.
Nunca o Socialismo foi deixado florir em boas mãos, em Democracia, não porque tenha falhado, mas porque o mataram. Como mataram tantas outras vezes, mas nunca com a violência de a metade do Mundo que à altura se reclamava defensora da Liberdade ter conduzido um país Democrático a uma violenta ditadura, pelo único crime de ser uma Democracia Socialista. Não se podem criticar os Marxistas dizendo que são inevitavelmente Totalitários quando foram amputados da sua experiência Democrática, exactamente por quem os critica (e criticava à altura) por serem Totalitários.
É importante termos noção que, por muito maus que se possam achar os Comunistas, por muitos preconceitos que se possa ter em relação a eles, uma justiça tem de lhes ser feita: ao contrário da Direita Autoritária (com o patrocínio de outras Direitas supostamente Democráticas), nunca os Comunistas implantaram uma Ditadura onde antes florescia uma Democracia. A Democracia Chilena durou 48 anos, foi aceite e tolerada até ao ponto em que se tornou inaceitável por ser Socialista e foi derrubada, com o patrocínio da ‘Land of the free’. Isso é criminoso.
É tudo isto que revolta no caso Chileno, é tudo isto que não permite nunca que qualquer pessoa de Esquerda se esqueça do que se passou. Antes de vos deixar nas palavras eloquentes de Allende, que morreu há 40 anos, deixo aqueles que me parecem ser 3 ensinamentos dos 11 de Setembro a nunca esquecer:
É assustador e terrível que as pessoas continuem a ser manietadas e a ver os seus medos explorados para benefício de poucos e dos seus propósitos camuflados;
Os Estados Unidos não têm demonstrado capacidade nem sucesso a impor pela força a Democracia, apenas o seu oposto;
Se o Socialismo em Democracia não foi até agora possível é porque nunca permitiram que o fosse.
“Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.”
Salvador Allende Gossens
26 de Junho de 1908 — 11 de Setembro de 1973