Começo com uma declaração de interesses: não sou chavista. Aliás, tenho pudor em cingir a minha ideologia socialista a uma personalidade política, ainda que o meu imaginário seja preenchido pelo exemplo ético e corajoso de Salvador Allende. Também não sou ingénuo e sei, até pela obra “Mãos Sujas” de Jean-Paul Sartre, que o pragmatismo político por vezes nos impede de almejar o céu sem sujar os pés. Esta contingência obriga-nos a uma análise fria do plano político e sua contextualização no espaço e no tempo. É neste âmbito que gostaria de abordar o regime bolivariano.
No dia 7 de Outubro teremos mais um episódio eleitoral na Venezuela. Utilizando a dicotomia esquerda/direita, teremos frente-a-frente Hugo Chávez e Capriles Radonski, respectivamente. Mais uma vez os venezuelanos serão chamados às urnas para depositarem o seu voto e optarem entre a continuidade do projecto sócio-económico iniciado há pouco mais de um decénio ou o seu término, pelo menos nos moldes actuais. É importante ressalvar que apesar do desprezo a que tem sido confinado o actual Presidente pelos media ocidentais, a sua reeleição parece ser o cenário mais plausível tendo em conta as sondagens. O motivo? Bem-vindos à República Bolivariana.
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que não subscrevo um certo centralismo político patente na Constituição Bolivariana, fruto da minha ética republicana. Refiro-me aos mandatos de 6 anos que considero excessivos e à possibilidade de reeleição sucessiva sem limitação de mandatos, assim como a excessiva personalização do regime em torno de Hugo Chávez ou a Lei Habilitantes que possibilita ao Executivo governar por decreto em áreas nevrálgicas sem passar pelo Congresso. Todavia não sou imune à evolução civilizacional a que temos assistido na pátria de Bolívar.
Graças à nova Lei Máxima, foram constitucionalmente protegidos direitos políticos, sociais e económicos de extrema importância: progresso no reconhecimento de direitos das comunidades indígenas, a garantia de educação, saúde e pensão, a redução da jornada laboral de trabalho ou a apropriação de sectores estratégicos por parte do Estado.
Todas estas normas foram consubstanciadas em planos de desenvolvimento como o Programa Económico de Transição 1999/2000 e o Plano de Desenvolvimento Económico e Social da Nação 2001/ 2007. Através da Lei dos Hidrocarbonetos que possibilitava ao Estado controlar a riqueza do seu país, mormente os recursos petrolíferos através da PDVSA, foram avançadas várias medidas de protecção da dignidade humana como as Missões Sociais financiadas pelo Fundo para o Desenvolvimento Económico e Social do País (FONDESPA) que promoveram passos gigantescos no combate à exclusão social e na construção de sectores universais e gratuitos em áreas como a saúde e educação. Neste momento, a estratégia económica visa diversificar o tecido produtivo do país com o patrocínio do Estado. Os resultados são bens visíveis e traduzem um novo tecido social. De 1999 (Hugo Chávez tomou posse a 2 de Fevereiro de 1999) a 2011, e só para citar alguns, o índice de desenvolvimento humano (IDH) cresceu de 0,7835 para 0,8261; a população a viver na pobreza extrema diminuiu de 16,6% para 7% e a taxa de desemprego baixou da casa dos 14% para 7%. Pelo caminho todos os indicadores a nivel de saúde e educação denotaram uma melhoria significativa.
A estes dados é necessário acrescentar os obstáculos que surgiram no caminho da Venezuela como a instabilidade dos preços relativos ao sector petrolífero, a inflação, a greve de vários funcionários da PDVSA e o Golpe de Estado, para não referir a Crise de 2008.
Em relação a Capriles Radonski, independentemente das suas boas intenções, os factos falam por si. Está associado ao Golpe de Estado de 2002 patrocinado por Pedro Carmona, empresário e presidente da FEDECÁMARAS, uma associação patronal poderosa com uma agenda clara de interesses privados, e pelos órgãos de comunicação social privados com o apoio dos Estados Unidos da América, que tentou derrubar o Governo de Hugo Chávez. Enquanto alcalde do munícipio de Baruta liderou e permitiu o cerco à embaixada cubana por apoiantes do golpe, numa tentativa que transgredia a Convenção de Viena.
Neste sentido, se em terras do Uncle Sam está em jogo a eleição do Presidente com mais consciência social no plano do liberalismo económico, já na Venezuela a vontade popular oscilará entre o actual modelo social e a antiga Venezuela, um país de contrastes e assimetrias. Eu não sou chavista mas sei bem em quem votaria.