Terça-feira, 13 de Novembro de 2012

No seu texto, 'Paris sob a ocupação', publicado em 1945 na France Libre, Sartre enunciava, a propósito dos anos antecedentes, um fatalista 'nós fomos vivendo'. E prossegue, explicando que esse viver era acompanhado de um horror que nunca abandonava os franceses. Que existia, ali, a todo o tempo, em todas as coisas, como um manto a cobrir todos os pedaços do quotidiano, mesmo quando uma abstracção como um livro ou uma rara gargalhada davam a impressão de uma outra vida

 

A crise económica em que vivemos é como esse horror de uma ocupação a todo o tempo pelos soldados alemães. Não que sintamos ser agora um exército de matérias economicistas germanófilas a destruir-nos a vida, embora esse paralelismo possa ser feito por muitas pessoas e ainda que não seja tão despropositado de razão assim, ainda que todos saibamos que o capital é internacional e internacionalista. Porque somos jovens e crescemos e existimos sob a égide de uma crise que cerceia as nossas vidas, 'sentimos que nos roubaram o futuro, sentimos o destino a fugir-nos'. Por incrível que pareça, viver sob ocupação de algo que nos é exterior, como uma imposição quotidiana totalitária (a crise sem fim à vista) é situação comum a muitas épocas da nossa História colectiva de Europeus e Cidadãos do Mundo. Acontece que a realidade como História é distante o suficiente para impedir uma apropriação devida dos sentimentos dos outros. É bom que seja assim, mas também é por isso que não devemos aceitar que as humanidades não humanizem e que a compreensão das coisas, sem a sua experiência, não deva ser suficiente para criar em nós conceitos e princípios de justiça e solidariedade.

 

'Porque um homem vivo é antes de tudo um projecto, um empreendimento. Mas a ocupação retirou aos homens o seu futuro.' Alguns franceses juntaram-se à resistência. Hoje, como então, a batalha (e a linguagem não pode nunca ser usada como metáfora sob pena de impedir a compreensão do mundo) será ganha ou perdida independentemente da resistência individual. As forças aliadas teriam vencido ou perdido na mesma com ou sem o apoio da resistência, embora ela possa ter adiantado alguns processos de libertação pontuais. As decisões importantes jogam-se a outro nível e é aí que temos que depositar tanta esperança quanto trabalho. O voto continuará a ser sempre uma arma de resistência pacífica, contra a existência daqueles que, no entender de cada um, usam a sua acção para atrasar ou impedir os empreendimentos da nossa vida. E ainda que tudo isto seja pouco, é-o já muito simbolicamente, pois resistir, seja de que modo for, representa sempre um inconformismo que utilizamos contra as agruras da vida. Mas também é assim para os colaboracionistas do nosso regime. Mesmo para eles a colaboração é uma maneira e um esforço para dar um futuro a Portugal. Acontece que discordamos profundamente deles. Acontece que eles ter-se-ão tornado, entretanto, inimigos do povo, fazendo parte, portanto, dos corpos materiais ligados ao poder ocupante que terá de ser afastado do poder.

 

'Nunca fomos tão livres como sob a ocupação alemã'. É assim que sucede hoje, embora o medo limite a nossa compreensão das coisas. É assim desde, pelo menos, Marx e Engels, quando enunciaram que o proletariado só teria, unindo-se, as suas cadeias a perder e um mundo a ganhar. Mas afinal que força ou poder ocupante é este? Contra o quê ou contra quem deveremos, afinal, unirmo-nos? Acaso os nossos ocupantes ou aquilo que ocupa as nossas vidas terá rosto em torno do qual possamos constituir um cerco? Contra quem ou quê gritaremos que não passarão? Sendo a crise uma abstracção com consequências reais tanto materiais como imateriais, fica claro que temos de jogar no plano das ideias, que temos de exercer a força e a influência no plano legislativo, elegendo representantes (ou fazendo-nos eleger como representantes) que lutem, sem medo, contra a corrupção, por uma administração responsável e responsabilizante dos bens públicos, pela não negociação com países governados por tiranos, pela defesa tanto aqui como em qualquer outra parte do mundo dos Direitos Humanos, que se dediquem ao combate pelo fim da evasão fiscal, pela regulamentação e taxação absoluta dos mercados financeiros e das grandes fortunas de acordo com um justo princípio de proporcionalidade, pelo fim dos offshores (os nossos e os dos outros), pela isolação da Suiça e da sua divisa, pelo fim da promiscuidade entre poder político e poder económico e a subjugação do segundo ao primeiro. Outros, melhores do que eu, saberão escrever os artigos e criar os mecanismos.

 

Podem tentar convencer-me que estas ideias prejudicam a economia e o país, mas esta é a minha forma de resistência: fazer política, todos os dias, na prossecução das minhas ideias. Fazer política é ser Homem na Cidade, é ser par na comunidade. Ninguém pode abstrair-se de fazer política julgando que só é credor da sociedade. A rua será sempre um lugar de protesto. Mesmo as revoluções só se concretizaram quando se tomaram as instituições. A democracia, boa ou má, permite-nos que as tomemos com total legitimidade. Acreditando nisto, é a partir daqui que dirijo a minha acção.



publicado por José António Borges às 13:51 | link do post

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