Reli hoje uma longa entrevista a Medeiros Ferreira, dada ao jornal Expresso em 2012, e fiquei novamente com a impressão de ter lido um certo testamento político. Tratou-se do testamento de um grande pensador e ator na arte da política, encontrando-se na entrelinhas os contributos de Mazarin a outros mais recentes, que evidentemente leu. Porém, para lá dessas transparências que é possível vislumbrar, estão os contributos próprios, daquilo que acrescenta à arte, aquilo que é verdadeiramente seu, e que não é pouco. Além da habilidade no lidar do comportamento do homem político, ficam o profundo entendimento da Democracia, visível no desassombro e liberdade éticas, a que, aqui e ali, chama de linha formalista, numa opção democrática na vivência do regime após a Revolução de Abril, mas também e sobretudo em tempos anti-democráticos, em que as liberdades estão cercadas. A linha formalista, é no caso de Medeiros Ferreira, aquele entendimento democrático, que mesmo na sombra da ditadura, o leva a agir desassombrado, em insubmissão de quem vive verdadeiramente livre. Não foi o único, mas é caso raro. Optando por essa sua linha, código ético e bom exemplo de republicanismo praticado, que pode bem ser a resposta para a questão tantas vezes levantada nas inúmeras conferências que recentemente evocaram o centenário da República sobre o que é afinal a ética republicana. Na dificuldade da resposta, por vezes algo temerosa, fica a sugestão: é o exemplo ético dos valores.
Vem isto a propósito das lágrimas da Senhora Deputada da Assembléia da República, Maria José Castelo Branco, eleita pelo círculo do Porto nas últimas eleições legislativas, nas listas do PPD-PSD. As lágrimas terão ocorrido porque se viu pressionada a mudar de opinião de uma primeira para uma segunda oportunidade na votação da coadoção de crianças por casais do mesmo sexo. Não tenho dúvidas quanto ao tortuoso e violento descontrolo de sentimentos que levou ao humano ato de chorar, violência desencadeada pelas direções do seu partido (poderíamos falar de outros) que não teve o menor pudor em ditar e retirar a liberdade à escolhida pelos eleitores cidadãos. De resto, e focando no objeto da votação, o recuo civilizacional vem a par de outros que vamos vivendo, e mostram mentalidades mesquinhas e desumanas mas, registe-se, as lágrimas podem também ter servido para expiar remorsos, contudo não anularam o ato de votar contráriamente o que antes tinha sido votado favoravelmente, nem apagam o desrespeito aos cidadãos, ao parlamento, à democracia, e ademais, aos partidos. A liberdade de militar num partido, está na compreensão dessa relação e naquilo que se aceita ser restringido. A consequência em respeito por si e pelos cidadãos e instituições, é só uma: o pedido de demissão irrevogável, no velho e ansião sentido da palavra.