Quarta-feira, 16 de Julho de 2014
Quando em 1920, V. I. Lenin publicou o seu livro 'Esquerdismo, a doença infantil do comunismo', atacou os comunistas ingleses e alemães por recusarem fazer acordos com os respectivos governos, nomeadamente com os partidos de esquerda moderada. Lenin tinha a ortodoxia ideológica da Esquerda e o pragmatismo racional da Direita. Esta aparente 'cedência' aos moderados era uma maneira de, ao impedir a Direita de aceder ao poder, influenciar os trabalhistas ou os socias-democratas de modo a 'radicalizar' a sua acção governativa. Havia uma compreensão clara do conceito de 'mal menor', não como um bem, mas como isso mesmo, um 'mal menor'.

Quando Catarina Martins afirma, discordando, que 'Ana Drago privilegia soluções de governação' contrapondo que o que se impõe é a necessidade de um programa de esquerda sem cedências, o que a líder do Bloco está a afirmar é 'governaremos com o nosso programa ou tudo nos é igualmente mau'. Esta desresponsabilização despudorada à melhor maneira de Pôncio Pilatos tem um grande ónus sobejamente conhecido: facilita a governação da direita. E isto não é coisa pouca: representa, outrosim, a maior ignomínia política da esquerda radical portuguesa desde o fim do PREC. A aparente 'desortodoxia' da nova esquerda bloquista é, afinal, um engodo, pois representa apenas a incapacidade política de lidar com a realidade.

Se, há uns anos, durante o crescimento exponencial do BE, havia a convicção profunda de que poderia, por força da propaganda e do valor das ideias, continuar num 'crescendo' eleitoral que afirmasse claramente o espaço que esse partido ocuparia no espectro nacional, hoje em dia, uma vez perdido o vigor inicial, nota-se que pouco há-de restar. A actual aproximação ao Podemos espanhol apresenta-se como um desejo sem valor. Uma projecção. Isto, e o que explico de seguida, surge num cenário pós-marxista, depois de Roland Barthes ter introduzido a importância da semiologia através do discurso, do símbolo e da língua.

Após isto, parece-me, o cerne do problema do Bloco de Esquerda, não reside aqui. Se notarmos que força eleitoral do BE encontra-se numa certa classe média urbana que adopta um radicalismo fácil por virtude duma ortodoxia permeável a um estilo de propaganda e discursos proto-libertários anti-capitalistas, chegaremos à rápida conclusão que não será nunca um partido de implantação nacional extensível a todos os cidadãos. Há um desprezo bloquista pelos 'itens' populares que tem tendência para uma de duas coisas: classificá-los em frasquinhos de formol e guardá-los em gabinetes de curiosidades ou adoptá-los como simbólicos pela sua beleza estética. Ao contrário do Partido Comunista Português, o militante intermédio do Bloco de Esquerda pode muito bem ser apenas um reprodutor exímio do banal anti-conformismo mas militantemente activo. Não nos enganemos: sobejam os militantes intermédios dos partidos do poder que são o seu contrário igualmente repudiável: banais conformista expectantes. Este últimos costumam trazer a gamela à cinta.

Diz o dito latino 'omnis civitas contra se divisa non stabit': a cidade contra si desavinda não permanecerá. O mesmo acontece com a Esquerda. Mesmo que pensemos que o panorama político actual nos obrigará a largar, mais tarde ou mais cedo, estes velhos conceitos antitéticos republicanos de esquerda e direita, a verdade é que a 'civitas' continua a girar em seu torno, pelo que continuaremos a fazer política neste base. O 'Podemos' vem dizer que já não se trata de uma luta de esquerda e direita mas os de baixo contra os de cima, o que, em abono da verdade, é exactamente a mesma coisa quando não pior, já que esta segunda representação virará os cidadãos uns contra os outros numa base agressiva e populista.

O exaspero dos militantes da esquerda radical que, conscientemente, não vêem as suas forças políticas influenciarem a política numa base real, é que transformará a esquerda. Do PS ao BE. Veremos se o Livre foi o primeiro a perceber isto. O Bloco, esse, enquanto existir nestes moldes, continuará a servir a Esquerda como um pacifista serve a paz sempre que põe bombas nos quartéis.


publicado por José António Borges às 14:46 | link do post | comentar

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