António José Seguro nunca me conseguiu propriamente iludir muito, mas conseguiu desiludir-me. Nunca esperei que o seu mandato fosse tão mau como efectivamente foi, principalmente do ponto de vista ideológico.
Os resultados que, apesar das afirmações autistas de Seguro, estão longe de ser bons poderiam ser desculpados se fossem a consequência do assumir de uma postura mais diferenciadora entre o PS e o consenso dominante, que é de direita (muito por culpa de Seguro não ter efectivamente combatido as teses da direita sobre a origem da crise). Se o PS tivesse ousado, virando à esquerda, fazer as rupturas essenciais para superarmos a actual crise, que é muito mais que económica, faria sentido esperarmos uma maior dificuldade em motivar a adesão às nossas propostas. Mas não foi isso que aconteceu. Seguro acabou por sofrer do mal oposto, indiferenciou-se de tal forma da direita que, nunca pondo em causa os seus argumentos, acabou derrotado por não conseguir, com credibilidade, competir nos seus argumentos.
Costa afirma frequentemente que o momento definidor foi a abstenção no Orçamento do Estado para 2012. Discordo, acho que o momento definidor foi ainda anterior e, talvez, só visível em retrospectiva. Seguro, como eu já disse, teria tido em 2011 a oportunidade de se distanciar de Sócrates (que veio da ‘ala direita’ do partido), distanciando-se do memorando que, como refere incessantemente, não assinou.
Mas não, Seguro optando por se distanciar da governação de Sócrates, nunca se distanciou da solução negociada com a troika, muito fruto, não propriamente da vontade de Sócrates, mas da imposição de Bruxelas. Não deixa aliás de ser estranho que a única ‘herança’ de Sócrates que Seguro assumiu na plenitude tenha sido o memorando de entendimento com a troika.
Muitos dirão que Seguro o fez para, motivado pela rivalidade com Sócrates, atirar as culpas da crise para este, podendo aparecer como salvador e herói do partido. Não acho que tenha sido isso, seguramente não foi só isso, apesar da tentação de interpretar os seus recentes comportamentos nessa luz. Foi, na minha opinião, por uma razão diferente: Seguro, mas principalmente os seus ideólogos (João Ribeiro, Eurico Dias, Álvaro Beleza, ou outros, como Vítor Bento, que Seguro convidou para participar no Novo Rumo), acreditavam efectivamente que a solução apresentada pela direita com a desculpa da Troika para os nossos problemas era o caminho a seguir.
A abstenção ‘violenta’ (com murros na mesa, presume-se, mas só dentro do partido – e de preferência contra a oposição interna - que lá fora temos de nos portar bem para os mercados não ficarem incomodados) no Orçamento do estado para 2012 mais não foi, então, do que a materialização da vontade Segurista de construir uma alternativa política ‘credível’ perante a Europa e os mercados ou, o que é o mesmo, indistinguível da direita nas grandes orientações de política económica, apenas com uma maior consciência social. Convenhamos que, comparando com a actual direita que nos governa, seria difícil não demonstrar maior consciência social.
Podem achar que estou a ser injusto, mas as demonstrações efectivas do pendor centrista, para não lhe chamar direitista, da liderança de Seguro são por demais evidentes. Além da abstenção ‘violenta’ (que, até hoje, ninguém conseguiu distinguir das suas congéneres mais pacíficas) há vários exemplos, facilmente comprováveis desta orientação política global, ainda que, por vezes, mascarada por algumas propostas avulsas de pendor contrário que, ainda assim, não alterariam a orientação política global.
Seguro opôs-se a que um grupo de 17 deputados do PS (todos da tal oposição interna cheia de malfeitores) que pediu a fiscalização da constitucionalidade do Orçamento do estado de 2012. Seguro, depois da enorme vitória política e benefício objectivo para os portugueses, cavalgou na onda e aderiu a todos os subsequentes pedidos de fiscalização de constitucionalidade, chegando mesmo a classificar as decisões deles resultantes de “boas notícias” e que "o PS cumpriu o seu dever na defesa dos portugueses". Boas notícias essas que nunca teriam existido por sua vontade: existiram apesar dele e por vontade da ‘oposição interna’. Por vontade de seguro o PS não “cumpriria o seu dever na defesa dos portugueses”.
Mas há outros indícios desta identificação de seguro com as teses da direita. Mas houve muitos mais indícios de uma adesão da direcção nacional do PS às teses da direita sobre o caminho da direita para resolver a crise.
O PS votou favoravelmente à alteração do código do trabalho de 2012, juntando-se à cumplicidade da UGT com a redução dos direitos laborais. Mais uma vez, apenas alguns deputados da ‘oposição interna’ assumiram como seu o papel histórico dos Socialistas na defesa dos direitos laborais, conquistados à custa do suor de muitas gerações anteriores de Socialistas.
O PS votou favoravelmente a aprovação do Tratado Orçamental que agora, em campanha eleitoral interna, afirma querer ver alterado. Aliás, não só a direcção do PS afirmou o seu apoio na altura, como impôs disciplina de voto nessa matéria, obrigando todos os deputados do PS a votar favoravelmente. Mais uma vez as únicas vozes críticas fizeram-se ouvir da parte da tal ‘oposição interna’.
Para não me eternizar com todos os momentos em que a direcção nacional de seguro provou ser a mais à direita da história do PS, algo que eu ingenuamente julgava impossível depois de Sócrates, avanço apenas com mais um exemplo: o voto favorável do PS à ‘reforma’ do IRC. Como pode alguém que se afirma Socialista defender que, no período de maior aumento de impostos sobre os rendimentos do trabalho, de maiores cortes nas pensões, nos apoios sociais e nos vencimentos, se proceda a uma reforma que vise diminuir os impostos pagos pelas empresas? Este é talvez o mais revelador de todos.
A actual direcção nacional do PS assumiu como seus os dogmas neoliberais que defendem que toda a primazia deve ser dada à promoção das regalias ao capital e que só dessa forma se pode atingir o crescimento. Parece aceitar que os direitos laborais e sociais são um luxo, para quando se pode, e uma redistribuição efectiva de rendimento, que alivie a desigualdade, uma perigosa ideia radical. Isto não é o PS, isto não é Socialismo, isto quase já nem é uma política económica racional.
Assim, Seguro afirmou-se como a alternativa interna a Sócrates à sua direita e não à sua esquerda, como durante anos tentara fazer entender. Para quem, como eu, pertence, orgulhosamente, à ala mais à esquerda dentro do PS e já não se revia plenamente na corrente ideológica que José Sócrates defendia, este facto é efectivamente preocupante.
Dir-me-ão, com alguma razão, que Costa não é propriamente um corte radical com a política económica centrista que tem dominado, infelizmente, os partidos Socialistas nas últimas duas décadas. Têm razão, mas perante esta direcção nacional até Sócrates parece esquerdista.
Além disso nem só das perspectivas dos líderes vive um partido. Seguro deve muitas das suas posições àqueles 8que já atrás referi) que com ele trabalham nas áreas do Estado, da economia e das finanças, o mesmo acontece com Costa. Onde Seguro apresenta Óscar Gaspar, Eurico Dias, João Ribeiro e Álvaro Beleza, Costa apresenta Pedro Nuno Santos, Pedro Delgado Alves, João Galamba e Pedro Marques. Outros exemplos poderiam ser dados. Com Costa chegarão à liderança do PS, e depois do Governo, todos aqueles que ao longo destes três anos têm feito a verdadeira defesa dos valores do PS e dos direitos dos Cidadãos, aqueles que têm feito a verdadeira oposição à política da actual maioria.
Não garanto que Costa faça imediatamente o corte que é preciso fazer com o pensamento económico dominante, que nos conduziu à actual crise, mas sei que há pelo menos essa abertura e que muita gente que está com Costa são aqueles (porventura os únicos) que podem fazer essa mudança no PS. Só isso já é uma aposta que vale a pena fazer. Só isso já é uma esperança que vejo renascer. Só isso já é uma razão para acreditar e apoiar a candidatura de António Costa.