A interpelação é ao governo, nos partidos que o compõem, mais um ou outro ente que o suporte, e tal interpelação é feita não por compaixão pela personagem, mas antes pela função e cargo que ocupa. Está no limite do admissível a um Presidente da República desde o início do mandato, melhor, desde o discurso profundamente vingativo que realizou em reação à sua vitória nas últimas eleições presidenciais. Tanto no respeito às suas obrigações constitucionais da arquitetura institucional do Estado Português; quanto à transparência na relação institucional entre o Presidente da República com o Governo, em diplomas de promulgação rápida, quando o que se exige é ponderação e transparência; quanto ao distanciamento necessário no relacionamento político entre governo e oposição; quanto à forma como se envolve em casos como o BES, tentando mais tarde desresponsabilizar-se; quanto à proteção dos seus aliados políticos, em relações de estranha cumplicidade, em todos estes aspetos e no exercício do cargo, Cavaco Silva, desmereceu o respeito e diminuiu a instituição Presidência da República.
Hoje, tratou de dar mais um exemplo da sua proverbial insensatez, da sua ignorância que desconhece o sentido de solidariedade, referiu-se a um outro Estado aliado, a Grécia, parceiro na União Europeia, como se referisse a algum inimigo pessoal. Referiu-se à figura da renegociação da dívida como "a coisa", fazendo lembrar o diácono Remédios na sua dificuldade em pronunciar os comunistas. No fundo, na sua introspeção individual debate-se certamente com todos os dilemas que a função de Presidente da República colocaria, não conseguindo no fim de contas, sair de si, tal como o "Pobre Tolo", personagem de Teixeira de Pascoaes.
Hoje, nas declarações de Cavaco Silva, hoje quando muito se joga sobre o futuro da Europa, da sua prosperidade e do seu progresso, bem como da sua paz, este personagem durável, mas menor na história de Portugal, incapaz sequer de representar a sua geração ou o seu tempo, demonstrou uma vez mais o papel em que está confiado: o de oficial do Governo. Mais, o paralelo que representa encontra apenas semelhança com a organização do Estado na ditadura de Salazar e Caetano, quando o Presidente estava dependente do Conselho de Ministros. Ajudem-no a terminar as suas funções com dignidade.
Por fim, resta-me uma última preocupação: a escolha do próximo Presidente da República. Escolha no duplo sentido da escolha pelos portugueses, e antes dessa, da escolha individual ou partidária de quem pretender propor-se a eleições. Preocupam-me alguns dos nomes que vão surgindo, o seu hipotético apoio partidário, pela necessidade imperiosa de recolocar a instituição Presidência da República no importante lugar que deveria ocupar.