Quarta-feira, 30 de Julho de 2014
A propósito de um artigo de opinião hoje publicado no Jornal I pelo Pedro Nuno Santos, a certa altura afirma que «A política deixou de dar resposta aos problemas e aos anseios dos cidadãos e estes deixaram de acreditar nela como forma de melhorar as suas vidas. O problema é a ausência de resultados e não o formato do sistema eleitoral.»

O problema não é, efectivamente, o sistema eleitoral, da mesma maneira que não é a forma de regime ou o voluntarismo de quem alerta para a degradação das instituições. Reforço a minha leitura de que estamos no fim de um sistema sem vislumbre do que se seguirá. Podemos criticar a emigração em massa e os baixos salários e a taxa de desemprego mas, inevitavelmente, nenhum governo resolverá, em tempo útil, estas questões.

A alternativa aos problemas dos nossos tempos é a radicalização da acção e do uso da palavra. E o que nos trará essa radicalização senão a queda mais rápida do sistema vigente? Assumindo que estamos mais confortáveis com a mudança abrupta da ordem das coisas radicalizemo-nos na defesa dos nossos interesses. Acontece que os interesses são tão difusos dentro da massa 'oposicionista' que não fica esclarecido ou claro o rumo que se seguirá.

O certo é que a manutenção dos status quo das elites dirigentes, mormente da elite económica e política, não logrará sequer manter a estabilidade política necessária para viver numa razoável paz social. Mas, pelo contrário, a destruição das mesmas elites, fará ruir mais rápida e definitivamente, durante um tempo imprevisivelmente longo, o que resta desta mesma paz social.

Tenho para mim que só a ordem (de preferência democrática) sustenta o progresso, e que qualquer desregulação beneficia o elemento mais poderoso propiciando o aumento do capital pelo capital e a acumulação da propriedade pelos seus detentores. Em caso de vazio de poder ou de desordem momentânea teremos os peixes grandes comendo os peixes pequenos. Não há anarquia ou anarquismo que não seja, sempre, anarco-capitalismo. Só o primado da lei defende o cidadão comum.

Beccaria escreveu que vale mais uma pena leve que seja sempre aplicada que uma pena forte e violenta que só esporadicamente o seja. Num mundo globalizado o primeiro poder que se impôs foi o do Capital. Num mundo globalizado governado pelo Capital não há espaço para a lei e a regulação. Num mundo globalizado em que o poder do Capital superou, em larga medida, o dos Estados, não há lugar para o legalismo. Num mundo globalizado onde não há lugar para leis que se possam, universalmente, aplicar, não há lugar para a Justiça mas apenas para a especulação e a violação dos princípios básicos de defesa dos Direitos Humanos. Num mundo em que a verdadeira soberania é a soberania financeira, em que as grandes empresas são mais ricas e poderosas que as nações médias, esmagam as pequenas e dominam as grandes, não haverá espaço para reformas que possam fazer mais do que prolongar a dor, qual paliativo recorrente. Argentina, Portugal, Grécia, etc (num mundo civilizado e mais notório). Este Capital, arrastado por uma mão invisível e insconsciente, desprovida de humanidade (porque é movida pela acumulação do capital) vai puxando a corda sistematicamente até que, um dia, nem a França, que esteve quase, se salvará. Os Estado não podem continuar a construir linhas Maginot para deter tanques, é preciso construir firewalls contra a avareza e rapina.

Se à pequena escala, em Portugal, o bipartidarismo democrático foi sustentado pela vontade dos banqueiros e duns poucos detentores do capital com influência directa na tomada de decisões, a verdade é que o fim do domínio desta oligarquia humana nacional vai ser substituida, brevemente, pelo conceito do homem que, em Washington ou Moscovo, carrega no botão que faz deflagrar a bomba em Bagdad ou em Donetsk. O que significa dizer que vai ser substituida pela vontade do especulador de acumular capital independentemente do dano que causa (quer porque a causa primeira da acumulação da sua riqueza está demasiado longe, quer porque os financeiros e especuladores não estudam essa causa mas apenas a consequência directa da acção que tomam).

Podemos votar ao centro nas deputais, à direita nas municipais e à esquerda nas presidênciais. Tudo o que estiver abaixo dum domínio de controlo da actividade económica internacional tornar-se-á responsabilidade das Juntas de Freguesias. Qualquer reorganização terá de ser mundial, até porque soluções autocráticas tornarão qualquer governantes, na melhor as hipóteses, num qualquer Avelino Ferreira Torres de trazer por casa. Não se trata apenas de vergar duramente o capital à vontade e acção política. Trata-se de vergar o capital às necessidades humanas. Tout court.


publicado por José António Borges às 14:36 | link do post | comentar

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