Não há uma linha na Constituição Portuguesa de onde se possa extrair que o Presidente da República tem necessariamente de ser um mero árbitro. É verdade que tem sido essa a prática, e isso tem valor em si mesmo. Mas não é uma imposição constitucional. Pelo contrário, tem derivado da visão que os candidatos e (principalmente) os Presidentes em exercício têm tido da função presidencial. Isto não quer dizer que o Presidente possa ter funções executivas, que cabem exclusivamente ao Governo enquanto “órgão de condução geral da política do país”.
E, no entanto, nesta campanha temos dois tipos de candidato: os que propõem uma actuação que é claramente da exclusiva competência do Governo ou da Assembleia e os que propõem uma actuação que os tornará em bibelots da República. O problema é que os primeiros estão a enganar o eleitorado, ao prometerem o que nunca poderão cumprir, e os segundos pedem aos cidadãos um cheque em branco, ao prometerem que serão imparciais e decidirão apenas com base no interesse nacional (ou seja, com base na maneira como interpretarão o que é o interesse nacional).
Estes últimos querem, no fundo, ser eleitos porque são independentes, porque são ponderados, porque têm bom senso, etc. E, já se sabe, quando se quer ser tudo não se é verdadeiramente nada. Aliás, é exactamente por isso que não têm outra alternativa que não seja fazer uma campanha que promete “muitos afectos”, “unir”, “mais simpatia”, “capacidade” e outras vacuidades semelhantes. Querem que legitimemos a sua personalidade, o seu carácter, a sua idoneidade, a sua experiência. É a personalização da Política em todo o seu esplendor. E, consequentemente, o seu esvaziamento.
Bem sei que a linha é ténue mas não tenho qualquer dúvida que havia espaço para uma campanha mais substantiva politicamente. Se cada candidato traçasse as linhas vermelhas que despoletariam a sua intervenção mais assertiva (no respeito dos poderes constitucionais, naturalmente), não só estava a ser mais transparente como estava a legitimar a sua actuação futura. E agora estaríamos a discutir essas linhas vermelhas e não quem é mais simpático, independente ou materialmente despreendido…
Giuseppe Arcimboldo, "Vertumnus" (1591)