A solução encontrada para resolver o problema no Banco Espírito Santo está, para mim pelo menos, cheia de novidades. A primeira é evidentemente o nome escolhido, em relação ao qual não tenho nada contra, admito até que, depois de vários dias infernais a arranjar solução para esta embrulhada, já estava tudo compreensivelmente demasiado ‘frito’ para se preocupar com essa questão e deram-lhe o nome óbvio para a finalidade que tem – apagar toda a memória do BES e preparar uma coisa nova para vender ao melhor preço. A segunda grande novidade é que se saíram com uma boa solução. Boa ou, no mínimo, a melhor que me parece possível. Essa é aliás a razão pela qual escrevo este texto, é tão raro concordar com o Governador do Banco de Portugal e com o actual Governo que não queria deixar de o dizer (até porque isto não pode ser só dizer mal, sem dar o crédito devido).
No entanto, como sempre nestes casos, o diabo está nos detalhes pelo que aquilo que me parece agora ser bom dependerá muito da concretização objectiva, até porque ainda subsistem muitas dúvidas sobre operacionalização da solução apresentada.
Parece-me também claro que nenhuma solução apresentada, por si só, chegará para resolver todo o problema do BES e do GES, que só poderá ser resolvido de forma decente por via criminal e com a responsabilização da família Espirito Santo (bem como de outros). Não me parece aceitável que o, ainda muito, património que detêm possa ficar incólume depois de tudo o que se sabe e dos custos que têm e irão ter as suas acções. Ainda assim a solução apresentada parece-me ter tês grandes vantagens.
Desde logo a garantia absoluta dos depósitos. Bem sei que até ao montante de 100 mil euros eles estariam sempre garantidos (não sem custos) e admito que possam não ser preocupantes potenciais perdas em algumas chorudas contas milionárias (pelo menos se isso permitisse evitar riscos para o erário público), mas o problema não é esse. Mesmo que essa preocupação não exista para contas pessoais, isso não é verdade para o caso das empresas. Qualquer pessoa que conheça o nosso tecido produtivo sabe que é comum que a movimentação de dinheiro de muitas das nossas pequenas e médias empresas implique que em muitos momentos valores na ordem das várias centenas de milhares de euros estejam temporariamente no banco. A possibilidade de perdas em depósitos de empresas acima do valor que está garantido colocariam milhares de empresas nacionais na potencialidade de não poderem cumprir com as suas obrigações e, dada a actual situação económica, sabe-se lá se não em risco de falência. Evitar esse cenário, bem como o potencial risco em termos de credibilidade do sistema, justifica por si só uma intervenção que garanta de forma absoluta todos os depósitos, como é esta.
A segunda grande vantagem é a salvaguarda dos postos de trabalho. Quando o desemprego supera os 14% qualquer aumento dos desempregados é preocupante, mas não nos enganemos, o BES não é o BPN ou o BPP. No caso do BES estamos a falar de cerca de dez mil trabalhadores directos que não podem deixar de ter os seus postos de trabalho assegurados neste contexto. Esta solução que passa, não por integrar o BES num banco já existente (como a CGD), o que implicaria sempre uma importante diminuição de funcionários, mas sim por tentar vender um banco renovado e recapitalizado a algum investidor. Esta parece-me ser, de longe, a melhor opção para manter o maior número de postos de trabalhos, isto é, se não se cair na tentação de vender o novo banco a algum concorrente directo já presente no mercado, que imediatamente fará uma restruturação para reduzir redundâncias.
A terceira grande vantagem é exactamente aquela que levanta maiores dúvidas e também a maior novidade. O Estado não injecta dinheiro directamente no novo banco, o estado empresta dinheiro ao Fundo de Resolução Bancário (que tem como financiadores todos os bancos a operar em Portugal e é dirigido pelo Banco de Portugal) e será este fundo que irá injectar dinheiro no novo banco e deter o seu capital. Isto, se tudo correr como é suposto, significa que, mesmo que a recapitalização e futura venda gere prejuízo, o Estado recebe o dinheiro de volta, sendo o fundo (e indirectamente os bancos seus financiadores) que irão suportar os prejuízos. Em Portugal, infelizmente, o ‘tudo correr como é suposto’ com que iniciei a frase anterior pode não ser animador, mas é sempre preferível a soluções em que o Estado e os contribuintes não estarão protegidos, nem se correr como é suposto. Parece-me de facto muito bem que se ponham os restantes bancos a sustentar o custo de manter a confiança no sistema bancário. Sei que todos seríamos prejudicados sem essa confiança (e todos acabamos por ser beneficiar dela) mas eles são os únicos que têm feito directamente milhões de euros de lucros com ela.
Não acho que esta solução seja isenta de riscos, como nenhuma seria, e acho que provavelmente a fase mais importante será a da execução de tudo isto, sendo que nessa matéria não tenho grande confiança no Governo ou em Carlos Costa, mas para início não está mal. Sejamos optimistas, surpreenderam-me pela positiva e terão de mim o benefício da dúvida. Não deixa de ser natural que tenha sido necessário o Espírito Santo para conseguir tal proeza.