Quatro minutos depois da hora marcada, Rui Tavares entra tranquilamente numa sala composta pela metade. Não fossem as presenças, a seu lado, de um jornalista e de um fotógrafo, a sua chegada teria provocado o mesmo tumulto do que a dos que, naquele auditório, aguardavam pelo início da conferência pública “Mudar a política em Portugal e na Europa: o projecto do LIVRE”.
A informalidade protocolar de um partido que se quer livre – num primeiro plano, das amarras que têm aprisionado as diversas Esquerdas – soou, desde logo, ao mais puro dos informalismos. Tal como os jovens que, esperançosamente responderam às condições adversas do pós-Guerra, através da criação de um movimento artístico, nos rostos dos presentes transparece a ideia de esperança que só a liberdade plena pode transportar.
A crença num caminho alternativo à lógica partidária instituída, ainda que silenciosa, transborda num auditório maioritariamente composto pelos filhos dos que heroicamente viveram Abril e que cresceram a enfrentar as agruras provocadas pelo quotidiano pós-moderno. Em surdina, quase que ecoam as letras dos Ornatos Violeta, relembrando que este é um tempo de nascer.
Após confirmar se estão asseguradas as condições necessárias para iniciar a sessão, Marta Loja Neves ocupa o seu lugar na mesa, sendo acompanhada por Rui Tavares e por outros três militantes. Projectada na tela que se encontra sobre o palco, a bandeira do Centro Democrático Federal 15 de Novembro evoca a temeridade dos que a 31 de Janeiro procuraram implantar a República. À frente dos oradores, o verde cintilante faz com que as garrafas de água assumam inevitavelmente um papel de destaque.
Num partido que se funda nas ideias ecologistas, o plástico fica à porta, cedendo o seu lugar a outros materiais menos prejudiciais ao ambiente. Tal como nas obras informalistas, os símbolos não se resumem à função de meros adornos, carregando em si um forte significado.
Inspirado pelos que naquele sábado de 1891 tentaram derrubar o regime, Rui Tavares começa a sua intervenção, assumindo que no LIVRE existe a consciência de que o insucesso é uma realidade possível. Porém, o eurodeputado afirma que “não há vergonha nenhuma em falhar, há sim em não tentar”. A conferência começa assim com o discurso do elemento mais emblemático deste novel partido da Esquerda Portuguesa e Europeia.
Manifestando que, para si, “a actividade partidária não é uma primeira, uma segunda, ou uma terceira paixão, ao contrário da actividade política”, o ex-membro da tendência Manifesto confessa-se esperançado de que “este possa ser um partido sem um aparelho semelhante ao dos partidos tradicionais”. Entre esta e a intervenção que viria a fazer no final, Rui Tavares procura desmistificar os principais dogmas que pairam nebulosamente sobre esta nova concepção de liberdade.
Aos críticos que apontam o LIVRE como um meio para se manter no Parlamento Europeu, o deputado dos Verdes/Aliança Livre Europeia responde subtilmente, afirmando que o grande problema com que o partido se depara são as eleições Legislativas e não as Europeias, cuja presença no acto eleitoral está dependente da decisão do Tribunal Constitucional.
A todos os que partilham da crença de que este partido subsiste na figura da sua pessoa, Rui Tavares declara que o seu papel ad-hoc para a constituição do LIVRE termina com a chegada do primeiro congresso, sendo que a partir dali será apenas um militante comum.
Aos que consideram a denominação LIVRE como uma afronta descabida ao funcionamento dos partidos já existentes, o ex-membro da tendência Manifesto sublinha que o nome do partido é Liberdade, Esquerda, Europa e Ecologia, de onde resulta a sigla LIVRE. Simultaneamente, demarca-se desta escolha, ressalvando que a opção foi fruto de uma derrota sua, já que preferia que o partido se chamasse “Progressistas”. Nunca relaciona as críticas com o teor do seu discurso, todavia a interligação acaba por ser evidente.
(Este texto continua, num segundo capítulo a publicar brevemente com uma análise crítica sobre o assunto)