Quarta-feira, 23 de Julho de 2014

 

Em tempos, o Ministro Brasileiro Eduardo Portella, com a sua célebre frase “Eu não sou Ministro, eu estou Ministro”, mostrou claramente qual a perspectiva que se deve ter do desempenho de cargos, da sua transitoriedade, e da separação entre o cargo (e, por maioria de razão, a organização) e a pessoa que o desempenha. Infelizmente, no PS, impera hoje enorme confusão entre a liderança e o partido em si.

 

 

A direcção nacional do PS e particularmente António José Seguro vivem hoje no absoluto equívoco de confundir o Partido Socialista com a sua direcção e o seu Secretário Geral. Num partido político, mais do que em qualquer outra organização, é absolutamente natural e saudável que existam diferentes opiniões e diferentes tendências internas. É absolutamente normal, desejável até, que elas se confrontem, que tenham projectos e objectivos diferentes. Se assim não fosse, uma importante parte da função que os Partidos desempenham na Democracia seria abandonada.

 

Quando Seguro (e os seus mais próximos dirigentes de topo) fala em “traição” ou diz que “criaram um problema ao PS” confunde o partido com a sua direcção nacional (e com ele próprio). Os apoiantes de Seguro entendem que a crise que foi aberta é negativa para o PS e têm liberdade de entender isso, tal como os apoiantes de Costa entendem que estão a ajudar o PS a sair de uma situação de estagnação que se tornou evidente com os resultados das Europeias. O que não é admissível é que se ache que quem cria problemas à direcção nacional está a criar problemas ao partido, como se ambos fossem uma e a mesma coisa. Fazem lembrar o governo quando afirma que o Tribunal Constitucional está a levantar problemas ao país quando mais não faz do que cumprir a sua obrigação, levantando problemas para o governo o que é diferente porque o governo dirige o país, mas não é o país.

 

Ninguém criou problemas ao PS, foram criados problemas à direcção nacional do PS. Um ataque à direcção do PS, legítimo ou ilegítimo, não é um ataque ao PS. Se o fosse, teríamos o esquizofrénico problema de termos vários Partidos Socialistas uma vez que, Interpretando dessa forma, o actual partido Socialista está claramente a atacar o Partido Socialista de há três anos e o putativo Partido Socialista do próximo ano está, presume-se, a atacar o actual Partido Socialista. Seria uma confusão, não fosse o facto estabelecido, ainda que ignorado por Seguro, de que uma particular direcção não define uma organização.

 

Poder-se-ia achar que esse discurso é um mero recurso retórico que ajude a mobilizar apoiantes e a convencer indecisos. Seria já suficientemente mau que assim fosse, manipulando os sentimentos de apoiantes e simpatizantes. Mas não o é, é a materialização da visão de quem acha que é, mais do que dono do partido, ele próprio o partido e isso é muito pior.

 

A estratégia de se barricar atrás de uma interpretação enviesada dos Estatutos, a estratégia de ataque (que muitas vezes resvala do político para o pessoal) a António Costa, que prejudicará e muito o partido se Costa ganhar as primárias, a convocação de eleições para as distritais do partido, multiplicando por 21 as disputas internas, e o arrastar por quatro penosos meses esta clarificação só podem ser explicadas pela visão de quem acha que está a defender, não um Secretário Geral específico, mas o partido.

 

Só isso pode explicar os desmandos que, existindo de parte a parte, a nível de topo estão presentes maioritariamente do lado de Seguro (com o expoente do filho que acusa o próprio pai de ser tonto). Só isso pode justificar que se ponha acima do próprio partido e dos seus interesses a defesa do seu actual líder (em detrimento de líderes passados e futuros, diga-se). Só o estado mental e emocional de se estar a defender, não uma facção, dentro de várias existentes no partido, mas o próprio partido de uma tomada hostil por forças ilegítimas pode justificar o extremo a que se está a chegar, arriscando o futuro daquilo que pensam (genuinamente porventura) defender.

 

Ora por muito boa conta em que se tenha Seguro (e os seus apoiantes), o partido existia antes dele e (espero) continuará a existir depois dele (seja isso quando for) e desta disputa. É por isso que deveria ser o futuro do PS, mais do que de qualquer direcção nacional específica, que deveria presidir às nossas decisões, o que está longe de se verificar ultimamente nas decisões dos órgãos nacionais.

 

Esta confusão entre quem está Secretário Geral e o próprio Partido Socialista não é só errada, é perigosa. Quando um Secretário Geral cai neste erro, pondo assim em causa o partido, a sua substituição já não é só necessária, é urgente.



publicado por Gonçalo Clemente Silva às 01:55 | link do post | comentar

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