A 9 de Outubro de 2011, o Partido Socialista Francês organizou as suas primeiras eleições primárias, tendo em vista a eleição do candidato à Presidência da República. Militantes e simpatizantes acorreram massivamente às urnas, oferecendo a François Hollande e a Martine Aubry a hipótese de disputarem a segunda volta. Com 5,63% dos votos (aproximadamente 150 mil), Manuel Valls, nascido na Catalunha e conotado com a ala direita do partido, posicionou-se como o quinto candidato mais votado (apenas à frente do presidente do Partido Radical de Esquerda, Jean-Michel Baylet).
A 25 de Novembro de 2012, foi a vez do Partido Democrático Italiano, conjuntamente com o Partido Sinistra Ecologia e Libertà e com o Partido Socialista Italiano, adoptar o modelo de eleições primárias abertas a simpatizantes. Neste caso, o objectivo passava por eleger o candidato a Primeiro-Ministro, que disputaria o sufrágio nacional três meses depois. Pier Luigi Bersani venceu ambas as voltas que se sucederam, cabendo a Matteo Renzi, então sindaco de Florença, o lugar de segundo candidato mais votado.
Após as eleições Presidenciais Francesas de 2012, Manuel Valls foi nomeado ministro do Interior. Ao longo dos últimos dois anos, notabilizou-se pela intransigência assumida em matérias relacionadas com imigração, o que resultou no aparecimento de casos como o de Leonarda Dibrani. As 27 mil expulsões em 2013 e a criação de zonas de segurança especiais em bairros sensíveis levaram a que Manuel Valls aumentasse a sua popularidade em alguns sectores da Esquerda, mas sobretudo elevasse a sua notoriedade no domínio da Direita. Desta feita, a opção de François Hollande, ao escolher Manuel Valls como o substituto de Jean-Marc Ayrault acabou por não ser completamente surpreendente.
O percurso de Matteo Renzi desde a derrota no sufrágio interno, embora tenha sido distinto, acabou por ter o mesmo resultado que o de Manuel Valls. Dono de uma ambição desmedida, o ex-sindaco de Florença viria a ser eleito Secretário Nacional do Partido Democrático em Dezembro de 2013, num acto eleitoral novamente aberto a simpatizantes, onde participaram 2.805.775 votantes (Matteo Renzi recolheu 67,55% das preferências). Após tomar posse e com o intuito de “abrir uma nova fase, através de um novo executivo apoiado pela maioria existente”, Matteo Renzi forçou a demissão do seu correligionário Enrico Letta, até então Primeiro-Ministro Italiano, ocupando posteriormente o seu lugar. No seu programa eleitoral não sufragado pelos cidadãos, constavam propostas como a flexibilização dos despedimentos e da contratação, a redução de 10% nos salários pagos pelas grandes empresas, bem como a reforma da lei eleitoral, que procura retirar poder ao Senado.
Mais do que dois candidatos unidos pela participação (e pela consequente derrota) nas primeiras eleições primárias dos partidos de centro-esquerda dos seus Países, Matteo Renzi e Manuel Valls assemelham-se na admiração confessa pela Terceira Via. Se o agora Primeiro-Ministro Francês propôs uma alteração do nome do Partido Socialista, para poder defender sem reservas ideológicas o capitalismo e a competitividade empresarial, o actual Primeiro-Ministro Italiano começou o seu percurso na Democracia Cristã e, posteriormente, continuou-o no Partido Popular. Se Manuel Valls, social-liberal assumido, aprecia o legado de Tony Blair, Matteo Renzi é conhecido como o “Tony Blair Italiano”. Jovens, extremamente ambiciosos, com uma carreira política iniciada na administração local, ambos representam o expoente máximo da nova geração europeia de dirigentes de centro-esquerda.
Depois da eclosão da crise do subprime, cedo se percebeu que Francis Fukuyama errara ao anunciar o “fim da história”. No início da crise era expectável a emergência de movimentos alternativos, com capacidade para responder aos desequilíbrios provocados pelo liberalismo desenfreado e pelo capitalismo de casino, que tinham transportado as sociedades pós-modernas para esta situação. Passados 6 anos, parece claro que os Socialistas Europeus não conseguiram apresentar um projecto capaz de substituir, de forma profunda, a direcção austeritária que o Velho Continente tem assumido. Ora no SPD, ora no Partido Democrático, ora no Partido Socialista Francês, a Terceira Via volta a assumir um papel de destaque. A derrota da esquerda, caracterizada por Pedro Nuno Santos no congresso de Braga, não terminou em 2008 e parece prolongar-se indefinidamente. Manuel Valls e Matteo Renzi são apenas os rostos mais recentes da alternativa fracassada. Haverá retorno?