Antes de António Costa aproveitar a enorme falta de bom-senso de António José Seguro na noite eleitoral das eleições europeias, o PS tinha uma tarefa decisiva no horizonte – governar de modo substantivamente diferente do actual governo. Essa seria a razão principal pela qual o PS (e consequentemente António José Seguro) muito provavelmente teriam ganho as eleições legislativas em 2015. A tarefa de governar de modo verdadeiramente alternativo ao actual governo não seria nada fácil face a todos os condicionalismos existentes mas seria absolutamente crucial. Em caso de insucesso, não seria difícil antever a transformação de um eleitorado desconfiado num eleitorado descrente em qualquer solução política para a crise, com consequências imprevisíveis no sistema partidário e na qualidade da nossa Democracia, o que apenas contribuiria para agravar as duras condições de vida da maioria dos portugueses.
Essa tarefa árdua ficaria necessariamente comprometida à partida no caso de coligação com o PSD. Nesse sentido, António Costa permitiu manter a esperança que o PS cumpra o seu papel. Mas não fez (nem poderia fazer) mais do que isso porque, ao contrário do que muitos dos seus apoiantes acreditam ferozmente, a chegada do PS ao poder não é um fim mas um meio. Ou seja, mesmo que obtenha maioria absoluta, essa vitória apenas será, tal como a vitória nas primárias, um meio de Costa cumprir a tarefa que antes aguardava Seguro – governar de modo diferente deste governo no conteúdo e na forma.
Noutras circunstâncias esta diferença esbater-se-ia mas nos dias que correm ela será fundamental. Tal como as regras costumeiras de chegada ao poder num partido político não se aplicaram a Seguro, as regras costumeiras da alternância “light” dificilmente continuarão a ser aceites pelos portugueses. Não sei se António Costa tem a percepção da importância de não falhar no governo mas convém que comece a pensar muito seriamente numa estratégia para isso não acontecer. Escrevo “pensar” propositadamente pois mais importante que comunicar eficazmente essa estratégia, algo que a maioria dos comentadores considera a principal tarefa de Costa nos próximos tempos, é construí-la sistemática e globalmente. Para depois a comunicar sectorialmente.
Uma estratégia deste tipo tem de ser (no mínimo) inventiva para permitir controlar algumas condicionantes e demonstrar que um governo não é apenas um grupo de funcionários bem-intencionados que lidam com as circunstâncias. Um dos problemas estruturais desta crise é o cerco à Política feito pela narrativa da ausência de alternativa realista, atirando-a para um reduto de mera decisão (inevitável). Ora a Política tem de transformar, tem de ter capacidade de moldar ou romper as condicionantes, pelo que um governo tem, para além de lidar com as circunstâncias, de ter a capacidade de criar novas circunstâncias.
Resumindo, se Costa perceber tarde o que está verdadeiramente em causa… pode ser tarde de mais. Mas mesmo depois de perceber, resta a verdadeira prova da governação. Até lá, resta apenas a esperança.