Com várias variantes, esta frase tem sido largamente proferida nos últimos dias: "O povo português escolheu não dar maioria absoluta a ninguém, o que obrigará os partidos a buscar consensos que possibilitem a estabilidade e a prossecução de reformas estruturais essenciais". Ora bem:
1. O povo português não é uma entidade orgânica, não é um ser consciente que se expressa através de votos. Bem sei que por trás desta questão reside a eterna e dificílima questão de conversão da soberania popular em representatividade e eficácia governativas mas convém não responder a um problema difícil com abstracções patetas.
2. O consenso, per se, é profundamente esvaziador da Democracia (e até da Política). Ao contrário da negociação, que permite a racionalização do dissenso. Apelar ao consenso político é, em regra, chamar a atenção para a irrelevância do debate, como se tomar decisões que afectam uma comunidade política fosse um mero expediente empresarial.
3. Qualquer negociação que se quer eficaz implica dar e receber e, certamente, não se busca nem alcança através da comunicação social. Não se anuncia a vontade de uma negociação séria, caso exista afirma-se como uma realidade. É daquelas coisas que antes de o ser já o era.
4. A estabilidade é um meio ou fim? Se for um meio, ainda que importante, não é sacrossanta. Mas, nesse caso, serve para alcançar o quê? Se os actores políticos respondessem com seriedade intelectual a esta pergunta talvez percebessem em que tipo de Democracia pretendem governar. Fazerem a pergunta já não era mau.
5. A felicidade é muito importante. Ninguém discorda da frase anterior porque cada um projecta nela o seu sentido de felicidade. As reformas estruturais necessárias são exactamente a mesma coisa – tudo e coisa nenhuma. Não admira que estejam sempre inacabadas! E, por isso, benzam-se, senhores… é à Política que cabe disputar o seu sentido. Esta disputa implica dissenso e, eventualmente, negociação mas nunca verdades absolutas.
'The Cyclops'. Odilon Redon (1914).