Vencidos pela evidência, muitos indignados com a potencial coligação de Esquerda começam a passar de uma argumentação baseada na legalidade para uma argumentação baseada na legitimidade. E este é talvez o único bom argumento existente. Mas tem de ser utilizado (e desmontado) com clareza, sem misturar todos os outros argumentos numa sopa rápida. A invocação da inexistência de legitimidade política para o PS se aliar com a Esquerda é um bom argumento porque se centra na maneira como a comunidade política encara a situação. Existe uma crença generalizada que ela é justa, natural, adequada? Se tivermos em conta as expectativas dos portugueses (construídas pela tradição política “o partido mais votado forma governo”) podemos encarar o “não” como a resposta evidente e, consequentemente, considerar esta solução ilegítima.
No entanto, o facto de a legitimidade não ser um conceito objectivo tanto permite esta argumentação como reforça a contrária: por um lado, a legitimidade é influenciada pelas expectativas mas não decorre pura e simplesmente delas, e por outro, se se tiver em conta os resultados eleitorais há boas razões para acreditar que grande parte da comunidade política, sabendo hoje da sua possibilidade, encarará esta solução como boa, ou seja, como justa, natural, adequada. No entanto, convém não ignorar a evolução da intensidade e da localização sociopolítica da contestação à solução. Por enquanto, ela não é significativa.
Mas se dificilmente poderemos encarar esta solução como politicamente ilegítima, questão diferente diz respeito ao grau. Ou seja, pode até não ser ilegítima uma aliança de Esquerda mas é, pelo menos, menos legítima da que existiria se o PS tivesse ganho as eleições. Julgo que não há como escapar a esta constatação. Pelo contrário, ela deve ser compreendida, assumida e respondida pelos diversos actores, a começar por António Costa. Ignorar esta questão é dar passos ao lado num caminho que já é, por natureza, muito estreito.
Na minha opinião, uma resposta adequada implicaria, pelo menos: a desmontagem pedagógica, um a um, dos restantes argumentos utilizados contra a solução; admitir que a precedência de tentar formar governo cabe a Passos Coelho mas, caso este não consiga uma maioria, uma alternativa maioritária é preferível e necessária (sendo que o PS tem toda o direito de preferir construí-la à Esquerda); afirmar claramente que em futuras eleições o PS não reclamará o direito de formar governo apenas porque deteve maioria relativa; um mandato claro (preferencialmente referendário) por parte dos militantes dos partidos de Esquerda; a construção de um discurso comum positivo (que ultrapasse o objectivo de “evitar que a Direita continue a governar” ou “acabar com a austeridade”); a rápida divulgação e explicação do acordo; e, por fim - talvez o mais difícil mas essencial - a existência de um acordo para a legislatura.
“Charing Cross Bridge, London”, C. Monet (1901)